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Que assim seja
Apesar de preconceitos revelados em pesquisa, a tolerância religiosa é um patrimônio cultural a ser preservado no país
DEZ ANOS depois da última visita de um papa
ao Brasil, caiu de 74%
para 64% a porcentagem dos que se dizem católicos
no país. O número, que consta da
pesquisa Datafolha publicada
nesta edição, já não surpreende.
Tornou-se lugar-comum a avaliação de que a fé de muitos brasileiros foi migrando, nas últimas décadas, do catolicismo para
os cultos pentecostais.
Tradicionalmente considerado um pais tolerante em matéria
religiosa -embora os cultos de
origem africana tenham sido objeto de repressão policial por
muito tempo-, o Brasil assiste
ao crescimento das diferenças
confessionais entre seus habitantes sem que, felizmente, fenômenos de hostilidade inter-religiosa tenham tido, até agora,
ocorrências dignas de nota.
Trata-se de um patrimônio
cultural que impregna adeptos
das mais variadas crenças, a ser
preservado como uma das poucas características nacionais cujo elogio dispensa o espírito patrioteiro e a obliteração do senso
crítico. A pesquisa hoje divulgada traz, contudo, informações
relevantes para que esse espírito
de tolerância seja avaliado com
mais precisão.
Não faltam opiniões preconceituosas quando os adeptos de
uma religião são instados a opinar sobre aquelas que não professam. Para 83% dos pentecostais, "umbanda é coisa do demônio", e 49% dos católicos julgam
que "os muçulmanos defendem
o terrorismo".
Num tom menor de acusação,
mas ainda assim com evidente
conotação negativa, a idéia de
que os evangélicos são "enganados por seus pastores" é compartilhada por 61% do total dos entrevistados. Mesmo percentual,
aliás, dos que acham que os católicos "não praticam sua religião".
Se tais dados não são animadores, vale lembrar que a absoluta
ausência de preconceitos com
relação a todo agrupamento social seria atitude rara de encontrar até mesmo entre filósofos,
cientistas ou militantes de direitos humanos. O mais importante, no caso brasileiro, não é o rumor desencontrado de estereótipos associados a cada religião,
mas o fato de que daí não decorram, até onde se possa ver, conseqüências capazes de desestabilizar o convívio entre cidadãos.
Curiosamente, algumas das
opiniões negativas a respeito de
determinada religião manifestam-se entre os próprios entrevistados que a professam. Dos
evangélicos pentecostais, 37%
acham que seus correligionários
são enganados pelos pastores;
entre os umbandistas, 12% concordam que sua religião "é coisa
do demônio".
O peso relativo de cada uma
dessas frases varia, naturalmente, a partir do próprio sistema de
crenças de cada entrevistado,
que, aliás, tende freqüentemente
a ser menos rígido do que o prescrito pela própria fé.
É que, de modo geral, a religião
parece ter no Brasil o lugar que
lhe é adequado em qualquer país
moderno: existe como dimensão
da experiência individual, como
mecanismo aceito de sociabilidade e de orientação da conduta
ética, mas não como fator determinante no ordenamento das
ações sociais e políticas dos cidadãos. Que assim seja.
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