São Paulo, domingo, 06 de maio de 2007

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Que assim seja

Apesar de preconceitos revelados em pesquisa, a tolerância religiosa é um patrimônio cultural a ser preservado no país

DEZ ANOS depois da última visita de um papa ao Brasil, caiu de 74% para 64% a porcentagem dos que se dizem católicos no país. O número, que consta da pesquisa Datafolha publicada nesta edição, já não surpreende. Tornou-se lugar-comum a avaliação de que a fé de muitos brasileiros foi migrando, nas últimas décadas, do catolicismo para os cultos pentecostais.
Tradicionalmente considerado um pais tolerante em matéria religiosa -embora os cultos de origem africana tenham sido objeto de repressão policial por muito tempo-, o Brasil assiste ao crescimento das diferenças confessionais entre seus habitantes sem que, felizmente, fenômenos de hostilidade inter-religiosa tenham tido, até agora, ocorrências dignas de nota.
Trata-se de um patrimônio cultural que impregna adeptos das mais variadas crenças, a ser preservado como uma das poucas características nacionais cujo elogio dispensa o espírito patrioteiro e a obliteração do senso crítico. A pesquisa hoje divulgada traz, contudo, informações relevantes para que esse espírito de tolerância seja avaliado com mais precisão.
Não faltam opiniões preconceituosas quando os adeptos de uma religião são instados a opinar sobre aquelas que não professam. Para 83% dos pentecostais, "umbanda é coisa do demônio", e 49% dos católicos julgam que "os muçulmanos defendem o terrorismo".
Num tom menor de acusação, mas ainda assim com evidente conotação negativa, a idéia de que os evangélicos são "enganados por seus pastores" é compartilhada por 61% do total dos entrevistados. Mesmo percentual, aliás, dos que acham que os católicos "não praticam sua religião".
Se tais dados não são animadores, vale lembrar que a absoluta ausência de preconceitos com relação a todo agrupamento social seria atitude rara de encontrar até mesmo entre filósofos, cientistas ou militantes de direitos humanos. O mais importante, no caso brasileiro, não é o rumor desencontrado de estereótipos associados a cada religião, mas o fato de que daí não decorram, até onde se possa ver, conseqüências capazes de desestabilizar o convívio entre cidadãos.
Curiosamente, algumas das opiniões negativas a respeito de determinada religião manifestam-se entre os próprios entrevistados que a professam. Dos evangélicos pentecostais, 37% acham que seus correligionários são enganados pelos pastores; entre os umbandistas, 12% concordam que sua religião "é coisa do demônio".
O peso relativo de cada uma dessas frases varia, naturalmente, a partir do próprio sistema de crenças de cada entrevistado, que, aliás, tende freqüentemente a ser menos rígido do que o prescrito pela própria fé.
É que, de modo geral, a religião parece ter no Brasil o lugar que lhe é adequado em qualquer país moderno: existe como dimensão da experiência individual, como mecanismo aceito de sociabilidade e de orientação da conduta ética, mas não como fator determinante no ordenamento das ações sociais e políticas dos cidadãos. Que assim seja.


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