São Paulo, terça-feira, 06 de maio de 2008

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MARCOS NOBRE

O que ficou de 1968

TINHA MUITA coisa diferente junta em 1968. Como a idéia tradicional de que revoluções devem sempre tomar o poder de Estado, refundar a sociedade e produzir um novo homem. Uma idéia inspirada na Revolução Francesa e na Russa e também na malfadada Revolução Cultural chinesa.
Isso não ficou de 1968. Para começar, porque há muito mais que simplesmente "um novo homem" definido segundo classes e capital: há mulheres, homossexuais, natureza, etnias, raças, família. O 1968 que ficou mostra que o poder espalhado pela sociedade é tão ou mais decisivo do que o poder encravado no Estado. Política é coisa que se infiltra por todos os momentos da vida.
Por isso ficou também de 1968 a idéia de que toda revolução é essencialmente performática. Encena a céu aberto a liberdade que quer realizar. Institui uma experimentação cotidiana com corpos, gestos, palavras, sensações.
E também encontra aí os seus limites. Encenação a céu aberto é decisiva para socializar experiências e defender maneiras alternativas de levar a vida. Mas, quando diz respeito a coisas tão pessoais quanto sexualidade, por exemplo, não dá para manter as cortinas do palco levantadas o tempo todo.
Toda essa experimentação se tornou liberdade efetiva ao passar para a esfera de uma nova intimidade, ao limitar o alcance da política e institucionalizar um espaço privado menos repressivo, mesmo se ampliado a ponto de alcançar hoje a própria internet. E ao alterar a lógica da política tradicional, construindo um espaço público mais aberto a novas vozes e maneiras de levar a vida.
No final, 1968 acabou por generalizar e massificar uma nova maneira de ver e de regulamentar o público e o privado que foi libertadora. Mas não evita a sensação bastante comum de que muito se perdeu dos impulsos libertários de 40 anos atrás. A começar pela ausência de novas encenações públicas de novas revoluções.
Isso porque toda institucionalização é perda e ganho. A libertação encenada se cristalizou em instituições sociais, políticas e econômicas que hoje parecem limitadas e excludentes. Mas a vitalidade de 1968 está justamente em não ver qualquer dificuldade em chacoalhar as instituições que ajudou a inventar.
Foi assim que 1968 sobreviveu à Guerra Fria e a todas as suas outras amarras históricas. Mostrou que, hoje, revoluções são antes de tudo encenações públicas de grandes transformações públicas e privadas. Que não se sabe bem onde começam nem até onde podem ir. Isso veio para ficar. Também no espaço desta coluna nas próximas semanas.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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