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MARCOS NOBRE
O que ficou
de 1968
TINHA MUITA coisa diferente
junta em 1968. Como a idéia
tradicional de que revoluções
devem sempre tomar o poder de
Estado, refundar a sociedade e produzir um novo homem. Uma idéia
inspirada na Revolução Francesa e
na Russa e também na malfadada
Revolução Cultural chinesa.
Isso não ficou de 1968. Para começar, porque há muito mais que
simplesmente "um novo homem"
definido segundo classes e capital:
há mulheres, homossexuais, natureza, etnias, raças, família.
O 1968 que ficou mostra que o
poder espalhado pela sociedade é
tão ou mais decisivo do que o poder
encravado no Estado. Política é
coisa que se infiltra por todos os
momentos da vida.
Por isso ficou também de 1968 a
idéia de que toda revolução é essencialmente performática. Encena a céu aberto a liberdade que
quer realizar. Institui uma experimentação cotidiana com corpos,
gestos, palavras, sensações.
E também encontra aí os seus limites. Encenação a céu aberto é
decisiva para socializar experiências e defender maneiras alternativas de levar a vida. Mas, quando diz
respeito a coisas tão pessoais quanto sexualidade, por exemplo, não
dá para manter as cortinas do palco
levantadas o tempo todo.
Toda essa experimentação se
tornou liberdade efetiva ao passar
para a esfera de uma nova intimidade, ao limitar o alcance da política e institucionalizar um espaço
privado menos repressivo, mesmo
se ampliado a ponto de alcançar
hoje a própria internet. E ao alterar
a lógica da política tradicional,
construindo um espaço público
mais aberto a novas vozes e maneiras de levar a vida.
No final, 1968 acabou por generalizar e massificar uma nova maneira de ver e de regulamentar o
público e o privado que foi libertadora. Mas não evita a sensação bastante comum de que muito se perdeu dos impulsos libertários de 40
anos atrás. A começar pela ausência de novas encenações públicas
de novas revoluções.
Isso porque toda institucionalização é perda e ganho. A libertação
encenada se cristalizou em instituições sociais, políticas e econômicas que hoje parecem limitadas
e excludentes. Mas a vitalidade de
1968 está justamente em não ver
qualquer dificuldade em chacoalhar as instituições que ajudou a
inventar.
Foi assim que 1968 sobreviveu à
Guerra Fria e a todas as suas outras
amarras históricas. Mostrou que,
hoje, revoluções são antes de tudo
encenações públicas de grandes
transformações públicas e privadas. Que não se sabe bem onde começam nem até onde podem ir.
Isso veio para ficar. Também no
espaço desta coluna nas próximas
semanas.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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