São Paulo, terça-feira, 06 de maio de 2008

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CARLOS HEITOR CONY

Cascas de banana

RIO DE JANEIRO - A vida é complicada mesmo. Ninguém precisa seguir o lema do finado Chacrinha, a quem se atribui a frase "eu não vim para explicar, vim para complicar", ou "confundir", o que dá na mesma. A vida se confunde e complica por si mesma, sem necessidade de apelos e palavras de ordem.
Guimarães Rosa, tal como o Abelardo Barbosa, que gostava de afirmações definitivas, dizia que "viver é muito perigoso". Com o devido respeito ao criador de "Sagarana", e igualmente ao homem da Buzina, prefiro a complicação ao perigo do Rosa e à confusão do Chacrinha.
Podia dar exemplos sobre a complicação humana, exemplos atuais -o tarado austríaco, os travestis do Ronaldo. Mas prefiro contar a história daquele eremita que se retirou da vida profana e passou a viver junto a um pequeno rio. Comia todos os dias uma banana e jogava a casca no rio. Num momento de fraqueza, em sua prece matutina, reclamou do Senhor da vida que levava, comendo banana todos os dias.
Após muito meditar e invocar santo Antão, padroeiro dos eremitas, tomou a decisão que lhe aparecia como a melhor. Resolveu mudar de lugar, seguindo sempre o curso do mesmo rio, até que encontrou, quilômetros à frente, um outro eremita, que comia todos os dias as cascas de banana que ele jogava fora. Não se tratava de um campeonato para ver quem era mais asceta do que o outro. De alguma forma, os dois se bastavam com o que tinham: o primeiro com a banana, o segundo com as cascas da banana.
O encontro trouxe uma complicação inesperada para os dois eremitas que haviam decidido levar uma vida sem complicações.
Voltaram à cidade e encararam a vida com mais humildade, fazendo parte da complicação geral, ampliando-a com uma quitanda, onde vendiam bananas sem casca e cascas sem banana.


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