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CARLOS HEITOR CONY
Cascas de banana
RIO DE JANEIRO - A vida é complicada mesmo. Ninguém precisa
seguir o lema do finado Chacrinha,
a quem se atribui a frase "eu não
vim para explicar, vim para complicar", ou "confundir", o que dá na
mesma. A vida se confunde e complica por si mesma, sem necessidade de apelos e palavras de ordem.
Guimarães Rosa, tal como o Abelardo Barbosa, que gostava de afirmações definitivas, dizia que "viver
é muito perigoso". Com o devido
respeito ao criador de "Sagarana", e
igualmente ao homem da Buzina,
prefiro a complicação ao perigo do
Rosa e à confusão do Chacrinha.
Podia dar exemplos sobre a complicação humana, exemplos atuais
-o tarado austríaco, os travestis do
Ronaldo. Mas prefiro contar a história daquele eremita que se retirou
da vida profana e passou a viver junto a um pequeno rio. Comia todos
os dias uma banana e jogava a casca
no rio. Num momento de fraqueza,
em sua prece matutina, reclamou
do Senhor da vida que levava, comendo banana todos os dias.
Após muito meditar e invocar
santo Antão, padroeiro dos eremitas, tomou a decisão que lhe aparecia como a melhor. Resolveu mudar
de lugar, seguindo sempre o curso
do mesmo rio, até que encontrou,
quilômetros à frente, um outro eremita, que comia todos os dias as
cascas de banana que ele jogava fora. Não se tratava de um campeonato para ver quem era mais asceta do
que o outro. De alguma forma, os
dois se bastavam com o que tinham:
o primeiro com a banana, o segundo
com as cascas da banana.
O encontro trouxe uma complicação inesperada para os dois eremitas que haviam decidido levar
uma vida sem complicações.
Voltaram à cidade e encararam a
vida com mais humildade, fazendo
parte da complicação geral, ampliando-a com uma quitanda, onde
vendiam bananas sem casca e cascas sem banana.
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