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São Paulo, sexta-feira, 06 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Por uma reforma que amplie direitos

JOÃO FELICIO

Novamente o funcionalismo público é o centro do debate. Parte da opinião pública, devido à maneira como têm sido veiculadas as informações pela imprensa, interpreta que todos os servidores são privilegiados, recebem altíssimos salários e suculentas aposentadorias, aposentam-se cedo e com proventos integrais. São mitos que serviram para fazer do emprego público alvo de muitos ataques. Os que consideram esse trabalhador um privilegiado não levam em consideração que a maioria do funcionalismo brasileiro é pobre, ganha mal e trabalha em repartições sucateadas. Por outro lado, há os que acham que essa reforma é a privatização da Previdência. Francamente, não vejo essa concepção na proposta do governo.
Desde 1995, defendemos que a reforma da Previdência resgate o conceito de seguridade social -que deve ser igual para todos, dos militares aos juízes, dos trabalhadores urbanos aos rurais. O teto para os benefícios previdenciários deve ser de 20 salários mínimos, contemplando cerca de 95% dos assalariados. Deve ser, ainda, por tempo de serviço, garantindo-se aposentadoria especial para aqueles que sofrem desgaste físico e mental no exercício da função. O sistema deve ter gestão quadripartite (governo, trabalhadores da ativa, aposentados e empresários).
Concordamos com a intenção do governo ao procurar incluir todos que estão fora do sistema da Previdência, estimular a entrada dos autônomos, diminuir a contribuição sobre a folha das empresas e incluir taxação sobre o lucro, além de uma política de aumento real no piso. No entanto divergimos em pontos que constam da proposta:
1) Se é verdade que há setores do funcionalismo -uma minoria- que recebem bons salários, é verdade também que a imensa maioria recebe salários baixos. No funcionalismo federal, 57% ganham até R$ 1.561, que é o atual teto do INSS, com média de R$ 1.038, valor máximo recebido por metade dos servidores federais. Nos Estados e municípios, a média salarial da maioria dos servidores de baixa renda é inferior a R$ 1.000 por mês. As diferenças entre o setor público e o privado não são tão grandes, visto que a média de aposentadorias do INSS, daqueles que contribuíram regularmente, é de R$ 770, sem os 19,7% de reajuste concedidos pelo governo, em maio, aos aposentados da iniciativa privada. Logo não é correto usar só exemplos de altas aposentadorias;
2) Discordamos veementemente da taxação dos inativos. Não consideramos um funcionário que ganha mil e poucos reais um privilegiado;


Parte da opinião pública interpreta que todos os servidores são privilegiados, recebem suculentas aposentadorias


3) Embora seja um avanço o aumento do teto de R$ 1.561 para R$ 2.400, a CUT vai defender o teto de 20 salários mínimos, porque queremos uma Previdência pública que contemple a maioria dos assalariados, dos setores público e privado; e um teto que estimule a vinda ao serviço público de determinadas categorias inerentes ao Estado. Os trabalhadores que recebem acima do teto teriam direito a um fundo de pensão público, fechado, sem fins lucrativos, com contribuição e benefícios definidos;
4) As alíquotas de contribuição à Previdência devem ser iguais para trabalhadores públicos e privados e o funcionalismo deve ter data-base, além da garantia de reajuste conforme a inflação também ao aposentado do serviço público. Precisamos encontrar uma solução para a ausência do FGTS entre os funcionários públicos que não possuem estabilidade -muitos são dispensados sem direitos;
5) Quanto à idade, a reforma promoverá mudança com a qual não concordamos. Se o servidor quiser se aposentar, mesmo tendo contribuído durante 35 (homens) ou 30 anos de trabalho (mulheres) e já tiver atingido a idade mínima exigida pela atual legislação (48 e 53 anos de idade, respectivamente), terá um desconto de até 35% (ou 10%) se for professor de 1º e 2º grau. Se não quiser ter o desconto, deverá trabalhar mais sete anos, se for funcionário público em geral, e mais dois anos, se professor de 1º e 2º grau.
Uma servidora que trabalha desde os 15 anos, aos 18 ingressou no serviço público e tem hoje quase 48 anos, em condições de se aposentar, terá que trabalhar mais sete anos para receber o seu salário "integral". Ela terá contribuído com mais de 40 anos de serviço em um país cuja expectativa de vida é inferior à da França ou à da Áustria, e em condições salariais e de trabalho inferiores;
6) Nem todo funcionário público se aposenta com salário integral. Governadores e prefeitos, com raras exceções, inventaram abonos e gratificações para impedir que o servidor público se aposentasse com o salário integral e para evitar que o aposentado obtivesse essa vantagem. Aumenta-se a alíquota de contribuição, taxa-se o aposentado, descontam-se gratificações no ato da aposentadoria, propõe-se uma subtração de 35% nos salários e, após a aposentadoria, ficam sem reajuste pela inflação. Parece-nos um brutal confisco.
A CUT, da mesma maneira como lutou contra a flexibilização de direitos da CLT, vai lutar por emendas para proteger os trabalhadores do setor público e privado, estes últimos vítimas de descontos expressivos em seus proventos devido à instituição do "fator previdenciário" pelo governo anterior.

João Antonio Felicio, 52, professor, é presidente nacional da CUT.


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