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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve-se estabelecer o controle de capitais para conter a crise cambial?
NÃO
Medidas anacrônicas não solucionam
MARCELO ALLAIN
Mais que uma crise cambial, o
mercado financeiro vive atualmente uma crise de confiança. Além da
disparada do dólar, nos últimos dois
meses o risco-país dobrou, os juros futuros subiram muito e a bolsa despencou, refletindo uma perda de confiança
na economia brasileira. Como não houve piora dos fundamentos macroeconômicos no período, a economia brasileira
parece sofrer um contágio pela indefinição de seu futuro próximo.
A raiz do estresse de mercado é a incerteza sobre como será a política econômica após janeiro de 2003. A estabilidade das regras do jogo é ponto fundamental para os investidores, ainda que
se façam ajustes na condução da política
econômica. São pontos cruciais a responsabilidade fiscal, a manutenção dos
contratos e da dívida pública e a continuidade do câmbio flutuante com liberdade de capitais.
O compromisso de um governante
com a estabilidade das regras é testado
quando a economia passa por momentos de nervosismo e, consequentemente, surgem propostas como a de estabelecer o controle de capitais. Não creio
que o atual governo cogitaria essa medida, mesmo porque a mobilidade de capitais é a mola mestra do regime de
câmbio flutuante.
Uma das características de um regime
cambial flutuante é inibir uma forte saída de capitais, em momento de crise de
confiança, por meio do preço da moeda
estrangeira, e não por restrições burocráticas ou quantitativas. Isto é, aqueles
que quiserem comprar dólares para os
remeter ao exterior têm a liberdade de o
fazer, mas arcarão com a perda decorrente do câmbio depreciado. Num segundo momento, quando a situação da
economia melhorar, seu regresso contribuirá para a valorização da taxa de
câmbio. Impedir a livre mobilidade de
capitais rompe com o funcionamento
do câmbio flutuante.
Há duas formas de controlar o movimento de capitais. A primeira, discutida
internacionalmente, com a proposta da
taxa Tobin, é colocar barreiras à entrada
de capitais. Esta não é a preocupação do
Brasil nem da América Latina hoje, pois
não há entradas maciças de capitais. A
segunda, mais perniciosa, é impor restrições à saída de capitais. Tais barreiras
são encaradas pelo investidor como
ruptura de regras, pois ele investiu no
país sob a condição de livre regresso, à
taxa de câmbio do dia, e subitamente vê
restringido esse direito.
A experiência de controle da saída de
capitais mostra que seu primeiro efeito
é eliminar a entrada, minando as chances de uma revalorização da moeda
quando o estresse diminuir. Em seguida, o governo e as empresas que se endividaram no exterior (cerca de US$ 17 bilhões de juros e amortizações até o final
do ano) teriam imensa dificuldade em
refinanciar suas dívidas, pois o credor
precisaria avaliar não só a capacidade
da empresa em gerar reais para o pagamento futuro, como também a permissão burocrática para converter os reais
em moeda estrangeira.
Por fim, mecanismos heterodoxos começariam a surgir no mercado, como o
subfaturamento de exportações e o superfaturamento de importações, mascarando uma saída efetiva de dólares.
Além de ineficiente e distorcivo, o
anacrônico mecanismo de controle da
saída de capitais parece inapropriado
para uma economia que possui US$ 42
bilhões em reservas internacionais. As
economias que lançaram mão desse expediente o fizeram em situação falimentar, quando não sobraram instrumentos de política econômica à disposição.
O Banco Central decidiu nesta semana adotar a venda diária de dólares, dado que o mercado cambial mostra pequena liquidez. O baixo volume transacionado de dólares revela que não há
saídas maciças de capital, mas uma forte subida da cotação do dólar em reação
às expectativas pessimistas que se abateram sobre o mercado. Nesta situação,
o câmbio na faixa de R$ 1/US$ 2,8 a R$
1/US$ 2,9 já inibe a saída de capitais.
Medidas coerentes para o país sair da
crise financeira atual, que extrapola a
crise cambial, precisam vir de um compromisso dos potenciais governantes
com a estabilidade das regras do jogo. A
arma para superar a atual crise de confiança é a credibilidade.
Marcelo Resende Allain, 35, economista, é diretor do Banco Inter American Express e professor
do MBA da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP.
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