São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se estabelecer o controle de capitais para conter a crise cambial?

NÃO

Medidas anacrônicas não solucionam

MARCELO ALLAIN

Mais que uma crise cambial, o mercado financeiro vive atualmente uma crise de confiança. Além da disparada do dólar, nos últimos dois meses o risco-país dobrou, os juros futuros subiram muito e a bolsa despencou, refletindo uma perda de confiança na economia brasileira. Como não houve piora dos fundamentos macroeconômicos no período, a economia brasileira parece sofrer um contágio pela indefinição de seu futuro próximo.
A raiz do estresse de mercado é a incerteza sobre como será a política econômica após janeiro de 2003. A estabilidade das regras do jogo é ponto fundamental para os investidores, ainda que se façam ajustes na condução da política econômica. São pontos cruciais a responsabilidade fiscal, a manutenção dos contratos e da dívida pública e a continuidade do câmbio flutuante com liberdade de capitais.
O compromisso de um governante com a estabilidade das regras é testado quando a economia passa por momentos de nervosismo e, consequentemente, surgem propostas como a de estabelecer o controle de capitais. Não creio que o atual governo cogitaria essa medida, mesmo porque a mobilidade de capitais é a mola mestra do regime de câmbio flutuante.
Uma das características de um regime cambial flutuante é inibir uma forte saída de capitais, em momento de crise de confiança, por meio do preço da moeda estrangeira, e não por restrições burocráticas ou quantitativas. Isto é, aqueles que quiserem comprar dólares para os remeter ao exterior têm a liberdade de o fazer, mas arcarão com a perda decorrente do câmbio depreciado. Num segundo momento, quando a situação da economia melhorar, seu regresso contribuirá para a valorização da taxa de câmbio. Impedir a livre mobilidade de capitais rompe com o funcionamento do câmbio flutuante.
Há duas formas de controlar o movimento de capitais. A primeira, discutida internacionalmente, com a proposta da taxa Tobin, é colocar barreiras à entrada de capitais. Esta não é a preocupação do Brasil nem da América Latina hoje, pois não há entradas maciças de capitais. A segunda, mais perniciosa, é impor restrições à saída de capitais. Tais barreiras são encaradas pelo investidor como ruptura de regras, pois ele investiu no país sob a condição de livre regresso, à taxa de câmbio do dia, e subitamente vê restringido esse direito.
A experiência de controle da saída de capitais mostra que seu primeiro efeito é eliminar a entrada, minando as chances de uma revalorização da moeda quando o estresse diminuir. Em seguida, o governo e as empresas que se endividaram no exterior (cerca de US$ 17 bilhões de juros e amortizações até o final do ano) teriam imensa dificuldade em refinanciar suas dívidas, pois o credor precisaria avaliar não só a capacidade da empresa em gerar reais para o pagamento futuro, como também a permissão burocrática para converter os reais em moeda estrangeira.
Por fim, mecanismos heterodoxos começariam a surgir no mercado, como o subfaturamento de exportações e o superfaturamento de importações, mascarando uma saída efetiva de dólares.
Além de ineficiente e distorcivo, o anacrônico mecanismo de controle da saída de capitais parece inapropriado para uma economia que possui US$ 42 bilhões em reservas internacionais. As economias que lançaram mão desse expediente o fizeram em situação falimentar, quando não sobraram instrumentos de política econômica à disposição.
O Banco Central decidiu nesta semana adotar a venda diária de dólares, dado que o mercado cambial mostra pequena liquidez. O baixo volume transacionado de dólares revela que não há saídas maciças de capital, mas uma forte subida da cotação do dólar em reação às expectativas pessimistas que se abateram sobre o mercado. Nesta situação, o câmbio na faixa de R$ 1/US$ 2,8 a R$ 1/US$ 2,9 já inibe a saída de capitais.
Medidas coerentes para o país sair da crise financeira atual, que extrapola a crise cambial, precisam vir de um compromisso dos potenciais governantes com a estabilidade das regras do jogo. A arma para superar a atual crise de confiança é a credibilidade.


Marcelo Resende Allain, 35, economista, é diretor do Banco Inter American Express e professor do MBA da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, da USP.



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