São Paulo, sábado, 06 de julho de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

TENDÊNCIAS/DEBATES

Deve-se estabelecer o controle de capitais para conter a crise cambial?

SIM

Benefícios do controle de capitais

JOÃO SICSÚ

Desde 1999, o Banco Central tem reagido, elevando a taxa de juros (ou deixando de reduzi-la), quando a taxa de câmbio apresenta movimentos de elevação da sua volatilidade, o que tem correspondido sempre a uma tendência ascendente do preço do dólar.
Procedimentos estatísticos que comprovam essas relações estão no artigo "Flutuação Cambial e Taxa de Juros no Brasil", a ser publicado no próximo número da "Revista de Economia Política", da Editora 34. Então, é correto afirmar que a função de reação do BC, sob o regime de metas de inflação, possui basicamente um componente cambial -a taxa de juros tem sido utilizada fundamentalmente para desestimular movimentos nocivos de capitais.
Embora o regime de câmbio seja flutuante, o BC reage contra movimentos que tendam a provocar desvalorizações cambiais agudas. O regime cambial adotado no Brasil é de flutuação cambial administrada, tendo por vezes um alvo implícito de taxa nominal. A taxa de juros de curto prazo (a Selic) é o principal instrumento de política monetária utilizado para promover tal administração cambial. A taxa de juros é reduzida somente quando a volatilidade cambial e a tendência do preço do dólar são favoráveis; e é aumentada quando são desfavoráveis.
Contudo, como os aumentos da volatilidade cambial (que correspondem a movimentos agudos de desvalorização da taxa de câmbio) têm sido frequentes, a autonomia da política monetária para determinar a taxa de juros está comprometida. Não existe liberdade para o BC manipular a taxa de juros, mas uma regra cambial de fixação da taxa. Nem sempre, como prega o modelo Mundell-Fleming, existe no mundo real a trindade possível: livre mobilidade de capitais, regime de câmbio flutuante e autonomia da política monetária.
A consequência dos dois primeiros, no caso do Brasil, é a falta de liberdade para a determinação da taxa de juros por parte do Banco Central.
Nessas condições, é necessário que a conta de capitais do balanço de pagamentos seja administrada de forma mais direta, através de um controle seletivo do movimento financeiro com o exterior. Trata-se de impedir que a flutuação do dólar fique, de forma muito sensível, sujeita a entradas e saídas volumosas de capitais provocadas por mudanças abruptas de humor dos mercados financeiros nacional e internacional.
Se o BC tivesse mecanismos de controle do movimento de capitais, não precisaria utilizar a taxa de juros para reduzir a sua volatilidade, conferindo, assim, maior autonomia para a política monetária, com consequências positivas sobre a redução do déficit público e o crescimento econômico. Com os capitais sob um razoável controle, haveria mais espaço para reduzir os juros e aumentaria a proteção da economia contra novos choques. Um ambiente de capitais totalmente livres e com elevada taxa de remuneração só é consistente com a lógica especulativa dos mercados financeiros.
O déficit público depende, em grande medida, do patamar da taxa de juros e das variações do câmbio. Sendo assim, quando aumenta a volatilidade cambial, o que corresponde a uma alta do preço do dólar, aumenta também o déficit público. Então, o BC aumenta (ou deixa de reduzir) a taxa de juros, para inverter a trajetória do câmbio. Mas o aumento dos juros faz, por sua vez, crescer o déficit público.
Este imbróglio poderia ser desfeito se a volatilidade cambial fosse reduzida, com a administração do movimento de capitais, e se, consequentemente, a política de determinação da taxa de juros estivesse isenta da necessidade de controlar movimentos cambiais nocivos.
A retomada do crescimento depende, em grande medida, da possibilidade de redução da taxa de juros interna. Como alertou Paulo Nogueira Batista Jr., em seu livro "A Economia como Ela É" (Boitempo, 2000), enquanto "a economia estiver vulnerável a saídas abruptas de capitais estrangeiros voláteis ou à fuga de capitais de residentes, o BC poderá defrontar com excessiva volatilidade da taxa de câmbio" (pág. 362). E, dessa forma, terá dificuldade de trazer a taxa de juros interna para níveis mais baixos e mantê-la nesses níveis -e a economia brasileira continuará crescendo abaixo do seu potencial.
"A subordinação das políticas monetária e cambial aos dogmas, modas e preconceitos da lógica dos mercados financeiros talvez seja a maneira mais segura de prolongar o quadro de estagnação ou crescimento medíocre dos últimos 20 anos -e pode ser o caminho mais curto para novos surtos e abalos financeiros" (pág. 375); tal como o que estamos enfrentando no momento.
Afinal, todos concordam que o movimento nocivo de capitais deve ser controlado; a divergência é se o instrumento de controle deve ser a taxa de juros. Há alternativas melhores, tais como regras claras de administração da conta de capitais do balanço de pagamentos.


João Sicsú, 40, é professor do Departamento de Economia da Universidade Federal Fluminense e do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.



Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve-se estabelecer o controle de capitais para conter a crise cambial? - Não - Marcelo Allain: Medidas anacrônicas não solucionam

Próximo Texto:
Painel do Leitor

Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.