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TENDÊNCIAS/DEBATES
Deve-se estabelecer o controle de capitais para conter a crise cambial?
SIM
Benefícios do controle de capitais
JOÃO SICSÚ
Desde 1999, o Banco Central tem
reagido, elevando a taxa de juros
(ou deixando de reduzi-la), quando a
taxa de câmbio apresenta movimentos
de elevação da sua volatilidade, o que
tem correspondido sempre a uma tendência ascendente do preço do dólar.
Procedimentos estatísticos que comprovam essas relações estão no artigo
"Flutuação Cambial e Taxa de Juros no
Brasil", a ser publicado no próximo número da "Revista de Economia Política", da Editora 34. Então, é correto afirmar que a função de reação do BC, sob o
regime de metas de inflação, possui basicamente um componente cambial
-a taxa de juros tem sido utilizada fundamentalmente para desestimular movimentos nocivos de capitais.
Embora o regime de câmbio seja flutuante, o BC reage contra movimentos
que tendam a provocar desvalorizações
cambiais agudas. O regime cambial
adotado no Brasil é de flutuação cambial administrada, tendo por vezes um
alvo implícito de taxa nominal. A taxa
de juros de curto prazo (a Selic) é o principal instrumento de política monetária
utilizado para promover tal administração cambial. A taxa de juros é reduzida
somente quando a volatilidade cambial
e a tendência do preço do dólar são favoráveis; e é aumentada quando são
desfavoráveis.
Contudo, como os aumentos da volatilidade cambial (que correspondem a
movimentos agudos de desvalorização
da taxa de câmbio) têm sido frequentes,
a autonomia da política monetária para
determinar a taxa de juros está comprometida. Não existe liberdade para o BC
manipular a taxa de juros, mas uma regra cambial de fixação da taxa. Nem
sempre, como prega o modelo Mundell-Fleming, existe no mundo real a
trindade possível: livre mobilidade de
capitais, regime de câmbio flutuante e
autonomia da política monetária.
A consequência dos dois primeiros,
no caso do Brasil, é a falta de liberdade
para a determinação da taxa de juros
por parte do Banco Central.
Nessas condições, é necessário que a
conta de capitais do balanço de pagamentos seja administrada de forma
mais direta, através de um controle seletivo do movimento financeiro com o
exterior. Trata-se de impedir que a flutuação do dólar fique, de forma muito
sensível, sujeita a entradas e saídas volumosas de capitais provocadas por mudanças abruptas de humor dos mercados financeiros nacional e internacional.
Se o BC tivesse mecanismos de controle do movimento de capitais, não
precisaria utilizar a taxa de juros para
reduzir a sua volatilidade, conferindo,
assim, maior autonomia para a política
monetária, com consequências positivas sobre a redução do déficit público e
o crescimento econômico. Com os capitais sob um razoável controle, haveria
mais espaço para reduzir os juros e aumentaria a proteção da economia contra novos choques. Um ambiente de capitais totalmente livres e com elevada
taxa de remuneração só é consistente
com a lógica especulativa dos mercados
financeiros.
O déficit público depende, em grande
medida, do patamar da taxa de juros e
das variações do câmbio. Sendo assim,
quando aumenta a volatilidade cambial, o que corresponde a uma alta do
preço do dólar, aumenta também o déficit público. Então, o BC aumenta (ou
deixa de reduzir) a taxa de juros, para
inverter a trajetória do câmbio. Mas o
aumento dos juros faz, por sua vez, crescer o déficit público.
Este imbróglio poderia ser desfeito se
a volatilidade cambial fosse reduzida,
com a administração do movimento de
capitais, e se, consequentemente, a política de determinação da taxa de juros
estivesse isenta da necessidade de controlar movimentos cambiais nocivos.
A retomada do crescimento depende,
em grande medida, da possibilidade de
redução da taxa de juros interna. Como
alertou Paulo Nogueira Batista Jr., em
seu livro "A Economia como Ela É"
(Boitempo, 2000), enquanto "a economia estiver vulnerável a saídas abruptas
de capitais estrangeiros voláteis ou à fuga de capitais de residentes, o BC poderá defrontar com excessiva volatilidade
da taxa de câmbio" (pág. 362). E, dessa
forma, terá dificuldade de trazer a taxa
de juros interna para níveis mais baixos
e mantê-la nesses níveis -e a economia
brasileira continuará crescendo abaixo
do seu potencial.
"A subordinação das políticas monetária e cambial aos dogmas, modas e
preconceitos da lógica dos mercados financeiros talvez seja a maneira mais segura de prolongar o quadro de estagnação ou crescimento medíocre dos últimos 20 anos -e pode ser o caminho
mais curto para novos surtos e abalos financeiros" (pág. 375); tal como o que
estamos enfrentando no momento.
Afinal, todos concordam que o movimento nocivo de capitais deve ser controlado; a divergência é se o instrumento de controle deve ser a taxa de juros.
Há alternativas melhores, tais como regras claras de administração da conta
de capitais do balanço de pagamentos.
João Sicsú, 40, é professor do Departamento de
Economia da Universidade Federal Fluminense e
do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
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