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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Voz ainda inaudível
Recebo de toda a parte a mesma indagação angustiada. Quem
devemos apoiar?, perguntam-me os
inconformados com nossa estratégia
nacional malograda. Ainda que acreditem na viabilidade de outro rumo,
não vislumbram quem possam ser
seus agentes em nossa política. Hoje
no Brasil, esses inconformados não
são milhares; são milhões. E milhões
capazes de representar a alavanca de
uma reviravolta.
Não se ouve, entretanto, a voz deles.
Duas outras vozes dominam a discussão.
A primeira voz se identifica com o
ideário que está há muitos anos no poder. Vê o governo do PT como caudatário, embora mais inepto e envergonhado, do único caminho possível: o
de aceitar a disciplina da globalização,
adaptando ao Brasil as mesmas instituições que deram certo nos países ricos, preparando um Estado mais enxuto e menos gastador, fortalecendo
as "redes de proteção social" que resgatariam os que penam na miséria e
resolvendo os problemas de infra-estrutura e de formação de capital humano que estrangulam nosso desenvolvimento.
A segunda voz prima pela superioridade irônica. Atribui a semelhança de
idéias e de práticas entre os governos
de FHC e de Lula à pobreza inescapável da política contemporânea e às limitações intrínsecas do Brasil. Se esbanja ceticismo a respeito da trajetória
atual, também descarta como fantasiosas as supostas saídas. E apresenta
sua própria desesperança como título
de sagacidade desiludida. Propõe-se a
monitorar os desmandos das duas
coalizões que comandam a política
brasileira e a reconhecer exemplos
isolados de competência e de honestidade. O país se desenvolveria aos trancos e barrancos graças à combinação
da energia persistente que vem de baixo com a capacidade ocasional que
vem de cima. Esperar mais do que isso
seria, de acordo com esses desenganados, devaneio perigoso.
Há, porém, uma terceira voz. É a voz
dos muitos que levam a sério a pregação em favor de um modelo de desenvolvimento baseado na mobilização
forçada dos recursos nacionais, na democratização das oportunidades de
trabalho e de ensino e na quebra dos
vínculos entre o poder e dinheiro. Estes brasileiros acreditam, sim, que
exista alternativa à política vigente. E
constatam que todos os outros países
grandes de renda média estão engajados na construção de tais alternativas.
Por isso mesmo, pensam, essas outras
economias crescem no sol e na chuva
enquanto nós só crescemos quando o
dinheiro fácil rola pelo mundo e quando nosso agronegócio se depara com
novos mercados. Se acreditam, porém, haver outro rumo, não identificam quem o possa com credibilidade
representar. Essa falta de agente confiável é hoje o bloqueio da política brasileira. E essa a origem da perplexidade que toma conta dos mais sérios e
dos mais esperançosos.
E a solução? Persistir na crítica, na
proposta, no recrutamento de quadros, na organização de forças. Essa
voz ainda inaudível acabará por se fazer ouvir porque é ela que tem mensagem e autoridade. À medida que se fizer ouvir, encontrará, mesmo entre os
partidos políticos existentes, os instrumentos de que precisa para disputar o
poder. Ninguém pode saber se esse
processo será rápido ou lento -se demorará dois anos ou 20. Exige o recurso que mais nos costuma faltar: fidelidade a uma tarefa de longo prazo. Entretanto, e apesar de tudo, essa luta já
começou. Dela, só dela, podemos esperar o soerguimento do Brasil.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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