São Paulo, terça-feira, 06 de julho de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Lavagem cerebral

RIO DE JANEIRO - Ao terminar a Segunda Guerra Mundial, sabia-se que Hitler não se entregaria vivo aos aliados. A Albert Speer, que foi fiel ao ditador até o fim, ele confessara sua vontade de se suicidar, dizendo que não seria preso para ser exibido, mundo afora, numa jaula, como um animal derrotado.
Embora haja versões em contrário, inclusive de uma mirabolante fuga, o certo é que Hitler parece que preferiu a morte, não dando aos inimigos o gostinho da humilhação pessoal que, aliás, ele bem merecia.
Temos agora o caso de Saddam Hussein, prisioneiro dos Estados Unidos, em início de julgamento pelos crimes que cometeu. Que o ditador iraquiano fez poucas e boas, fez. Do ponto de vista do povo iraquiano, ele merece qualquer tipo de pena, pois pintou e bordou durante anos, não merecendo clemência, muito menos piedade.
Contudo, a pinimba dos Estados Unidos com ele tampouco merece respeito da consciência universal. Bush acusou-o de crimes e de intenções que não foram provadas, pelo contrário, foram desmentidas pelos próprios serviços de inteligência dos Estados Unidos.
Com a faca e o queijo na mão, seria fácil para a dupla Bush-Blair provar as relações de Saddam Hussein com Bin Laden, a existência de armas de destruição em massa, a ameaça que ele representava para a civilização ocidental.
E há um detalhe sórdido neste julgamento de um prisioneiro de guerra. Ele está servindo de munição eleitoral para a campanha da reeleição de Bush, inteiramente atolado pelas suas mentiras a respeito da guerra do Iraque. Sofrendo uma lavagem cerebral, negociando a própria vida por uma confissão macetada, Saddam poderá admitir não apenas os crimes que praticou mas os que não praticou, por falta de tempo, de recursos ou de tecnologia. Com isso, transformará o presidente norte-americano num salvador da civilização e da paz universal.


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