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Pés de barro
É de esperar que um bloco comercial, quando aceita novos sócios, tenha bases consolidadas; não é o que acontece com o Mercosul
OS NÚMEROS podem parecer eloqüentes. Com
a entrada da Venezuela no Mercosul, nasce
um bloco cujas economias, somadas, produzem todo ano mais
de US$ 1 trilhão, exportam US$
220 bilhões e atendem a 260 milhões de consumidores. A iniciativa associa o país que detém as
maiores jazidas de energia fóssil
(petróleo e gás) do subcontinente, em solo venezuelano, ao que
abriga o maior e mais complexo
parque industrial, o Brasil.
Há, porém, várias maneiras de,
adicionando outras informações, atenuar o impacto do que
foi dito no parágrafo acima -que
serviria como peça de propaganda política para "vender" a nova
iniciativa, mas que pouco condiz
com a realidade e os horizontes
atuais do Mercosul. Sozinho, o
Brasil representa mais de 70%
do PIB e da população do "novo"
bloco e é responsável por mais da
metade das exportações. A entrada da Venezuela, portanto,
acrescenta pouco às dimensões
simbólicas do Mercosul.
Blocos econômicos, de outro
lado, não interferem na economia do petróleo, cujo mercado é
autônomo e global. No gás, escaldado pela experiência boliviana,
o Brasil só entrará na aventura
do Grande Gasoduto do Sul (proposta de Hugo Chávez para trazer o combustível da Venezuela
até a Argentina) se perder o juízo
e dispuser-se a torrar dinheiro.
Tudo somado, a entrada da Venezuela não agrega ao atual consórcio grande perspectiva de desenvolvimento. Um discreto aumento do comércio inter-regional é o que se pode esperar dessa
nova configuração, à medida que
a economia venezuelana vá interagindo mais com as de Brasil,
Argentina, Paraguai e Uruguai.
As perspectivas ficam ainda
mais restritas, porém, quando se
levam em conta os problemas internos por que o Mercosul vem
passando nos últimos anos, de
um lado, e o potencial perturbador para as relações comerciais
que a chegada de Hugo Chávez
ao grupo vai despertar, do outro.
É de esperar que um bloco comercial, quando decide expandir-se e aceitar novos sócios, esteja consolidado em sua estrutura original; que tenha resolvido
seus problemas básicos; que as
nações associadas estejam em
harmonia entre si. Nada disso reflete a situação do Mercosul
atualmente. O "gigante" de US$ 1
trilhão tem os pés de barro.
Como sintoma da cacofonia, a
assinatura do protocolo de adesão da Venezuela, em Caracas,
deu-se no momento em que
Uruguai e Paraguai ameaçam
abandonar o bloco. A associação
se pretende uma união aduaneira (em que os sócios se comportam como se uma nação só fossem nas negociações extrabloco), mas nem a configuração básica -de zona de livre comércio,
em que os produtos entram e
saem dos países sem serem gravados- funciona a contento.
A essa entidade fragilizada
vem associar-se Hugo Chávez,
cujo compromisso no continente não vai além da retórica "antiimperialista". Se empresas e
trabalhadores brasileiros dificilmente ganharão algo relevante
no processo, é certo que, de saída, o Itamaraty ganha mais uma
dor de cabeça diplomática.
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