São Paulo, quarta-feira, 06 de julho de 2011

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Risco e oportunidade

Governo não tem muitas opções contra a valorização do real, mas deve usar alta de commodities para fortificar a competitividade nacional

Já não causa mais tanta surpresa o longo processo de valorização do câmbio, que levou a moeda nacional ao patamar de R$ 1,55 por dólar, menor cotação desde o início do regime de livre flutuação cambial, em janeiro de 1999.
Ajustado pela inflação, o dado se mostra ainda mais contundente: hoje o real se encontra no ponto de máxima valorização diante do dólar desde o início do Plano Real, em meados de 1994.
Algumas das causas da valorização são antigas e bem conhecidas. Em especial, a permanência dos juros altos.
É fato que os juros reais (descontada a inflação) no Brasil recuaram do patamar superior a 10% ao ano, no início da década passada, para cerca de 6% atualmente. Mas ainda é grande a diferença em relação à média global, em particular diante de taxas próximas de zero no mundo desenvolvido. Isso atrai os dólares do investidor estrangeiro, que aqui embolsa o diferencial entre as taxas de juros ("arbitragem").
Trata-se de poderoso incentivo para a vinda do capital especulativo, que não dá mostras de ceder mesmo com o aumento do imposto sobre captações externas de curto prazo. O juro alto também induz empresas a se endividarem no exterior, a custo mais baixo. Do fim de 2009 a maio último, a dívida externa privada cresceu 43%, para US$ 284 bilhões.
Há, porém, outras e novas causas para a valorização, cada vez mais determinantes. A que chama mais atenção é o aumento vertiginoso dos preços em dólar dos produtos exportados pelo país, como alimentos e minério de ferro, que avoluma o fluxo de moeda forte.
Trata-se de um "presente" do restante do mundo ao Brasil, um choque de riqueza de quase 2% do PIB ao ano, que tende a se manter, no cenário atual de escassez global de commodities. Considerando também o potencial impacto das exportações de petróleo do pré-sal, o país poderá viver longo período de sobra de dólares.
A questão é o que fazer com esse saldo, a princípio benéfico, mas que traz efeitos colaterais. O principal é a perda de competitividade dos setores não ligados às matérias-primas, que veem os custos subir em moeda nacional e perdem com o câmbio valorizado, o que encarece seus produtos exportáveis. O país enfrenta um risco sério de perda de densidade industrial, com a decadência dos ramos menos competitivos, o que poderá comprometer a geração de empregos no médio prazo.
A bonança de dólares não durará para sempre. Tão importante quanto tentar mitigar a presente e quase irrefreável valorização do real é usar receitas de exportações para restaurar a competitividade, com capacitação de mão de obra, investimento em logística, cortes de custos e políticas inteligentes para a indústria e a inovação.
Do contrário, o país desperdiçará sua maior oportunidade em décadas, sem consolidar um sistema produtivo diversificado, capaz de manter o crescimento quando piorarem as condições externas.


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