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CARLOS HEITOR CONY
A foto dos fatos
RIO DE JANEIRO - Vi a foto da senadora Heloísa Helena jogada ao chão
durante a repressão policial ao que
foi chamado de "invasão" de uma
das sedes do INSS. Em todos os sentidos, uma cena lamentável na forma e
no conteúdo.
A começar por ser uma mulher,
que, apesar dos movimentos feministas e progressistas, continua merecendo do macho o respeito que devemos à mulher na civilizada tradição
de salvar primeiro as mulheres e
crianças dos naufrágios e massacres.
Depois, pelo fato de ser uma senadora, uma militante que nunca escondeu suas idéias nem se omitiu nas
lutas que julgou necessárias pelo bem
público. Pode-se discordar dela, e
pessoalmente discordo muitas vezes
de seu radicalismo, mas sua luta
transcende ao pontual de uma manifestação política.
Não sei por que, lembrei-me de
uma foto de Adauto Lúcio Cardoso,
que, presidente da Câmara dos Deputados, se insurgiu contra a cassação de mandatos promovida pelo governo que ele apoiava ostensivamente como militante da antiga UDN.
Ele também participou de uma manifestação que não agradava ao poder da época, lutou por princípios entranhados em suas vísceras de liberal,
foi agredido com certa violência por
soldados da ordem vigente e sentou-se no meio-fio de uma calçada não
para chorar pelo leite derramado,
mas para marcar sua posição contra
o arbítrio do qual, pessoalmente, não
era vítima.
Mudam as coordenadas, mas as fotos são equivalentes. Nem é o caso de
entrar no mérito das causas que
Adauto defendia e que Heloísa atualmente defende. Revelam o óbvio: alguma coisa anda errada quando se
vê um homem ou uma mulher tombados no chão na luta por uma idéia,
por um valor moral do qual, pessoalmente, não são beneficiários.
A acusação de desordeiros não procede. Foi, aliás, uma das acusações
que fizeram a Jesus no Sinédrio: ele
atacou os mercadores do templo que
vendiam animais para os sacrifícios
rituais do povo de Deus.
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