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São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2003

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CARLOS HEITOR CONY

A foto dos fatos

RIO DE JANEIRO - Vi a foto da senadora Heloísa Helena jogada ao chão durante a repressão policial ao que foi chamado de "invasão" de uma das sedes do INSS. Em todos os sentidos, uma cena lamentável na forma e no conteúdo.
A começar por ser uma mulher, que, apesar dos movimentos feministas e progressistas, continua merecendo do macho o respeito que devemos à mulher na civilizada tradição de salvar primeiro as mulheres e crianças dos naufrágios e massacres.
Depois, pelo fato de ser uma senadora, uma militante que nunca escondeu suas idéias nem se omitiu nas lutas que julgou necessárias pelo bem público. Pode-se discordar dela, e pessoalmente discordo muitas vezes de seu radicalismo, mas sua luta transcende ao pontual de uma manifestação política.
Não sei por que, lembrei-me de uma foto de Adauto Lúcio Cardoso, que, presidente da Câmara dos Deputados, se insurgiu contra a cassação de mandatos promovida pelo governo que ele apoiava ostensivamente como militante da antiga UDN.
Ele também participou de uma manifestação que não agradava ao poder da época, lutou por princípios entranhados em suas vísceras de liberal, foi agredido com certa violência por soldados da ordem vigente e sentou-se no meio-fio de uma calçada não para chorar pelo leite derramado, mas para marcar sua posição contra o arbítrio do qual, pessoalmente, não era vítima.
Mudam as coordenadas, mas as fotos são equivalentes. Nem é o caso de entrar no mérito das causas que Adauto defendia e que Heloísa atualmente defende. Revelam o óbvio: alguma coisa anda errada quando se vê um homem ou uma mulher tombados no chão na luta por uma idéia, por um valor moral do qual, pessoalmente, não são beneficiários.
A acusação de desordeiros não procede. Foi, aliás, uma das acusações que fizeram a Jesus no Sinédrio: ele atacou os mercadores do templo que vendiam animais para os sacrifícios rituais do povo de Deus.


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