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São Paulo, quarta-feira, 06 de agosto de 2003

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ANTONIO DELFIM NETTO

Funciona, mas é cara

Os recentes eventos vividos pela economia brasileira mostram três coisas: 1º) que a política monetária funciona quando complementada por uma dura política fiscal, mas tem um alto custo. O aumento da taxa de juro real altera a disposição de consumir e de investir, reduz o nível de emprego e, em consequência, acaba gerando uma redução da taxa de aumento dos preços, isto é, da taxa de inflação; 2º) que a desorganização produzida nesse processo contracionista cria dúvidas sobre a velocidade de recuperação futura da economia, o que (combinado com a alta do juro real) tende a levar os empresários a postergarem seus investimentos, reduzindo, também, a taxa de crescimento potencial da economia e 3º) que a política monetária funciona assim para reduzir a demanda e também a capacidade potencial de produção da economia. Resta provar que ela sozinha induzirá o movimento inverso quando a taxa de juros for diminuída. O custo da política monetária na redução da taxa de inflação é proporcional à distância entre a taxa corrente e a "meta inflacionária" ambicionada. Depende, fundamentalmente, do horizonte de tempo fixado para atingi-la e da política fiscal que a acompanha.
É a contingência de ter de comparar "benefícios" (redução da taxa de inflação) e "custos" (redução de crescimento presente e postergação do futuro) que leva a divergências no julgamento da política monetária. E, quando alguém diz que ela funciona, não é a mesma coisa que dizer que aprova qualquer política monetária. Todos sabem que se trata muito mais de uma arte que combina as tecnicalidades econômicas com a sensibilidade política do seu executante. É muito provável, por exemplo, que a ambiciosa meta intermediária de 8,5% para 2003 (derivada de uma sofisticada "conta de chegar" do Banco Central) tenha imposto um custo mais alto do que o necessário para a redução da taxa de inflação. Era evidente que havia um efeito "aritmético" que desapareceria no segundo semestre. O famoso "mercado", nas suas "previsões", acreditava, em maio de 2003, que a taxa de inflação tenderia a 8% em maio de 2004.
É preciso cuidado nessa apreciação, porque as "condições iniciais" de janeiro eram muito difíceis. O IPCA dessazonalizado e anualizado de 2002 embutia as seguintes taxas de inflação:




O efeito aritmético certamente desapareceria no segundo semestre. Ele poderia, entretanto, ser amplamente atropelado por uma "mudança de expectativa" estimulada pelo que se imaginava que poderia ser o governo Luiz Inácio Lula da Silva. Nesse caso, seria muito difícil trazer uma inflação de 25% a 30% para níveis civilizados. A elevação da taxa de juros, por sua vez, abriu um espaço de arbitragem que atraiu capitais da "morte súbita". Isso derrubou a cotação do dólar e funcionou como importante canal na redução da inflação. Em compensação, desarticulou o contágio exportador que estava tomando conta do Brasil e que era essencial para o crescimento do produto e para a redução de nossa vulnerabilidade externa...
Positivamente, não existe almoço grátis!

Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br


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