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Assembléia no vácuo
Na falta de vontade real de discutir a reforma política, discutem-se os foros virtuais de uma discussão inexistente
SEMPRE QUE faltavam propostas para os problemas
sociais e econômicos do
país, lideranças políticas
de todas as tendências dispunham, até recentemente, de uma
palavra mágica para encobrir a
própria indigência programática. Falava-se em "pacto social",
idéia dificilmente capaz de suscitar oposições convictas, mas cuja
defesa em geral não passava da
tediosa menção a uma grande
mesa, "em torno da qual todos se
sentariam", até que coisa melhor
aparecesse no horizonte.
O termo parece ter exaurido
seu poder narcótico sobre a opinião pública, uma vez debelada,
com o Plano Real, a conjuntura
que mais o suscitava.
A idéia de convocar uma assembléia nacional constituinte,
que teria o fim específico de discutir uma reforma politica, parece agora cercar-se do mesmo
efeito diversionista, com o agravante de trazer consigo toda uma
fuliginosa nuvem de impedimentos jurídicos, empecilhos
práticos e paradoxos institucionais em torno de seu vazio de base -para nada dizer dos precedentes desabonadores que registra na história recente do populismo sul-americano.
Poderia ser apenas um infeliz
exercício de ficção política, destilado nos momentos de maior
ociosidade intelectual dos gabinetes do Planalto, sem outro futuro que o de extinguir-se na
própria inocuidade.
Mas o tema dominou o debate
político nos últimos dias, no que
constitui, sem dúvida, sintoma
de algo mais profundo. A campanha se dá num vazio completo de
propostas, e questões de importância amplamente reconhecida
pela sociedade -a retomada do
desenvolvimento econômico, o
estado calamitoso da segurança
pública, os rumos da política externa brasileira- não se traduzem em idéias concretas no discurso dos candidatos.
Também a necessidade de uma
reforma política está cronicamente em pauta no país; ao fim
de um quadriênio marcado por
escândalos multitudinários no
Congresso, e pela desmoralização acachapante do Executivo,
mais do que nunca se mostram
em crise os mecanismos de ligação entre os eleitores e seus representantes. Parece contudo
excesso de otimismo esperar que
partidos e candidatos tivessem,
bem ou mal, algo de específico a
apresentar sobre a questão, prometendo que dela se ocupasse
um Legislativo renovado.
O argumento de que só uma assembléia constituinte poderia
cumprir essa tarefa, uma vez que
deputados e senadores têm o vezo de legislar em causa própria,
como apontou o presidente Lula,
equivale a uma demissão antecipada de todo significado que o
próximo pleito pudesse vir a ter.
Antes de imaginar uma assembléia etérea, idealmente capaz de
discutir aquilo que ninguém formula, caberia apresentar substantivamente, com as forças políticas de que se dispõe, alternativas ao atual sistema; e submetê-las ao eleitorado, que já tem data
marcada para se manifestar. Não
há sinal de que alguém se habilite
a tanto. Na falta de vontade real
de discutir, discutem-se então os
foros possíveis e impossíveis de
uma discussão inexistente.
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