São Paulo, domingo, 06 de agosto de 2006

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Assembléia no vácuo

Na falta de vontade real de discutir a reforma política, discutem-se os foros virtuais de uma discussão inexistente

SEMPRE QUE faltavam propostas para os problemas sociais e econômicos do país, lideranças políticas de todas as tendências dispunham, até recentemente, de uma palavra mágica para encobrir a própria indigência programática. Falava-se em "pacto social", idéia dificilmente capaz de suscitar oposições convictas, mas cuja defesa em geral não passava da tediosa menção a uma grande mesa, "em torno da qual todos se sentariam", até que coisa melhor aparecesse no horizonte.
O termo parece ter exaurido seu poder narcótico sobre a opinião pública, uma vez debelada, com o Plano Real, a conjuntura que mais o suscitava.
A idéia de convocar uma assembléia nacional constituinte, que teria o fim específico de discutir uma reforma politica, parece agora cercar-se do mesmo efeito diversionista, com o agravante de trazer consigo toda uma fuliginosa nuvem de impedimentos jurídicos, empecilhos práticos e paradoxos institucionais em torno de seu vazio de base -para nada dizer dos precedentes desabonadores que registra na história recente do populismo sul-americano.
Poderia ser apenas um infeliz exercício de ficção política, destilado nos momentos de maior ociosidade intelectual dos gabinetes do Planalto, sem outro futuro que o de extinguir-se na própria inocuidade.
Mas o tema dominou o debate político nos últimos dias, no que constitui, sem dúvida, sintoma de algo mais profundo. A campanha se dá num vazio completo de propostas, e questões de importância amplamente reconhecida pela sociedade -a retomada do desenvolvimento econômico, o estado calamitoso da segurança pública, os rumos da política externa brasileira- não se traduzem em idéias concretas no discurso dos candidatos.
Também a necessidade de uma reforma política está cronicamente em pauta no país; ao fim de um quadriênio marcado por escândalos multitudinários no Congresso, e pela desmoralização acachapante do Executivo, mais do que nunca se mostram em crise os mecanismos de ligação entre os eleitores e seus representantes. Parece contudo excesso de otimismo esperar que partidos e candidatos tivessem, bem ou mal, algo de específico a apresentar sobre a questão, prometendo que dela se ocupasse um Legislativo renovado.
O argumento de que só uma assembléia constituinte poderia cumprir essa tarefa, uma vez que deputados e senadores têm o vezo de legislar em causa própria, como apontou o presidente Lula, equivale a uma demissão antecipada de todo significado que o próximo pleito pudesse vir a ter.
Antes de imaginar uma assembléia etérea, idealmente capaz de discutir aquilo que ninguém formula, caberia apresentar substantivamente, com as forças políticas de que se dispõe, alternativas ao atual sistema; e submetê-las ao eleitorado, que já tem data marcada para se manifestar. Não há sinal de que alguém se habilite a tanto. Na falta de vontade real de discutir, discutem-se então os foros possíveis e impossíveis de uma discussão inexistente.


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