São Paulo, segunda-feira, 06 de agosto de 2007

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ALBA ZALUAR

Exemplo vem de cima

QUE A EDUCAÇÃO é um processo global que envolve muitos atores é fato bem aceito. Mas que a responsabilidade (e não a culpa) deve ficar bem repartida por todas as agências de socialização, nem tanto.
Uma vertente culpa os pais; outra, a escola; uma terceira, a mídia; uma quarta a polícia e órgãos governamentais; outra ainda, os políticos, e assim vai-se empurrando com a barriga a responsabilidade de cada uma das partes. Não se avança, não se assume o que deve ser feito, mesmo que parcialmente, quando não se consegue uma estratégia que integre todas as agências.
Se não, vejamos. A lei, quando internalizada pelas pessoas, constitui ou constrói a sociedade, é parte da cultura e afeta a vida cotidiana.
Portanto, não basta ter códigos escritos e agências de repressão, é preciso que a lei esteja incorporada nas ações cotidianas de todos, principalmente dos que devem dar o exemplo para os que ainda estão em processo de socialização.
Nada é perfeito. Nem mesmo no esporte fica-se livre da degradação que institui o vencer a qualquer custo e de qualquer maneira, negando o espírito esportivo e a idéia do jogo limpo. Quando deixa de ser o espaço de aprendizado das regras, da transmissão de valores como os do respeito às normas, cooperação em equipe e saber ganhar ou perder, a prática esportiva cede à disputa para vencer mesmo burlando as regras, enganando juízes e adversários. Mas há meios de controle e uma alta dose de transparência que tornam a prática esportiva mais democrática. Continua sendo uma importante agência de socialização porque favorece a internalização do respeito à regra e ao outro.
Quanto mais justa e mais universal a lei, mais há adesão a ela. Quanto mais manipulável e restrita for sua aplicação, menos recebe respeito. Pouco avanço aconteceu no Brasil neste terreno cheio de armadilhas. Ainda não estamos inteiramente livres do "aos amigos, tudo, aos inimigos a lei". Ainda os dirigentes governamentais, empresariais e, por que não dizer, não governamentais carecem de compreender o seu papel de modelos, exemplos, ideais.
Os efeitos disso aparecem em todas as arenas da vida coletiva. Relações entre vizinhos, entre patrões e empregados, entre líderes e liderados em várias áreas, entre os que exercem autoridade e os que devem acatá-la, entre colegas de trabalho, entre colegas das instituições de ensino, são profundamente afetadas pelas distorções no uso da lei.
Não espanta, portanto, que o Brasil seja apontado como o país do jeitinho, da manipulação, do desrespeito à norma legal. O exemplo vem de cima.


ALBA ZALUAR escreve às segundas-feiras nesta coluna.


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