São Paulo, quinta-feira, 06 de agosto de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Confiança e insegurança jurídica

TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR


Espera-se que, no caso do crédito-prêmio do IPI, o STF tome uma decisão de efeito não retroativo que respeite a confiança do contribuinte


AO SER instituído pelo decreto-lei 491/69, o crédito-prêmio do IPI não foi limitado no tempo.
Pelo menos durante dez anos, a intenção ostensiva do legislador foi a de deixá-lo valer sem imposição de prazo de extinção. Melhor para as exportações brasileiras, que dispararam.
Só dez anos depois aparece a ideia de extinguir gradualmente o referido estímulo fiscal. Uma forma gradual de extinção é, então, adotada via decreto-lei 1.658, de 1979, para evitar a desestruturação da economia que uma revogação abrupta poderia provocar.
O decreto-lei de 1979 previa essa extinção mediante redução gradual do valor do benefício, a começar da data de sua publicação, fixando percentuais decrescentes para o ano de 1979 e para o ano seguinte, de tal modo que, em 30 de junho de 1980, estaria totalmente extinto.
Quando os contribuintes já começavam a se acostumar com a cronologia de redução e extinção, sobreveio, em 3 de dezembro de 1979, o decreto-lei 1.722, determinando que os estímulos fiscais (crédito-prêmio do IPI) seriam utilizados "na forma, condições e prazo estabelecidos pelo Executivo". Ademais, o decreto-lei 1.722 dava nova redação ao artigo 1º do decreto-lei 1.658/79, alterando os percentuais de redução a partir de 1980 e até 30 de junho de 1983 (data então da definitiva extinção), "de acordo com o ato do ministro da Fazenda".
Dava-se também "ao ministro da Fazenda a atribuição para, dentro do período fixado no decreto-lei, efetuar a redução do estímulo fiscal", podendo "ajustar a referida redução em função das variações conjunturais da economia que influam nas diretrizes da política de comércio exterior".
As normas desse decreto-lei, na hipótese de ter sido válido, vigeram apenas três dias. Mal houve tempo para atos do ministro fixando um prazo de extinção.
Sobrevém, então, novo decreto-lei (nº 1.724, de 7 de dezembro de 1979), cujo artigo 1º confere ao ministro da Fazenda autorização para aumentar ou reduzir, temporária ou definitivamente, ou extinguir os benefícios.
Segundo a exposição de motivos 468, de 7 de dezembro de 1979, a extinção gradual dos estímulos, estabelecida pelo decreto-lei 1.658/79, apesar de suas justificativas, era abandonada, pois a "atual situação conjuntural do país, com ênfase para os problemas relacionados com o balanço de pagamentos, recomendaria a adoção de esquema mais flexível que permitisse, a cada momento, melhor compatibilização das políticas fiscal e de comércio exterior".
Ou seja, em vez de extinção gradual, com cronograma fixado em norma com força de lei, deu-se pleno poder ao ministro da Fazenda para agir sob critérios de conveniência técnico-econômica e, assim, extinguir os benefícios, aumentá-los ou reduzi-los, temporária ou definitivamente. Isso foi julgado inconstitucional pelo STF.
Em termos de expectativas criadas para o contribuinte/investidor e da necessária confiança nos atos governamentais, deve-se lembrar que, à época, o Poder Executivo detinha um instrumento de largo espectro interventivo, o decreto-lei. Mais que uma lei, o decreto-lei representava um ato inserido imediatamente numa política econômico-fiscal do Executivo, capaz de gerar e alterar expectativas e correspondentes comportamentos dos agentes econômicos aos quais se destinava.
Assim, posteriormente, foi editado o decreto-lei 1.894/81, cujo artigo 1º previa que, em se tratando de política fiscal destinada a proteger as exportações, operações de alto interesse para as economias da nação, havia necessidade de imprimir segurança ao contribuinte envolvido, afastando, então, a regra de que o incentivo seria extinto em 1983.
Face a essa sequência errática de decretos-lei, a jurisprudência do STJ, até ser alterada, levava em conta um princípio de não surpresa que deveria estar presente na prática de um legislador -o Poder Executivo- que, ao mesmo tempo em que legislava por decreto-lei, assumia também, de fato, a incumbência de gerir a política econômica do governo. Essa jurisprudência, mantida por mais 15 anos, foi modificada, tendo, afinal, o próprio STJ fixado o término da vigência do crédito-prêmio. O caso vem agora ao STF.
Além dos mencionados, há ainda outros dados sob exame, e os valores em jogo são enormes. Mas a questão é: como lidar com a confiança do contribuinte e a expectativa do fisco num processo de tão longa duração? Espera-se que o STF, em nome da prudência jurídica, tome uma decisão de efeito não retroativo que respeite a confiança do contribuinte e, assim, ainda que diante de divergente expectativa do fisco, evite um prejuízo social não desejado por ninguém.


TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR , 68, advogado, é professor titular do Departamento de Filosofia e Teoria Geral do Direito da Faculdade de Direito da USP. É autor, entre outras obras, de "Direito Constitucional". Foi procurador-geral da Fazenda Nacional de 1991 a 1993 e chefe do Departamento Jurídico da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) de 1981 a 1986.


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