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RUY CASTRO
Cortejo de pirilampos
RIO DE JANEIRO - O homenageado
da Flip em 2007 foi Nelson Rodrigues. Entre as atrações da festa, havia a exibição de "Vestido de Noiva", o filme baseado em sua peça,
que seu filho, o cineasta Joffre Rodrigues, completara havia anos e
levara outros tantos para conseguir
lançar. Programado pelo exibidor
para uma semana ingrata, tipo Carnaval, em 2006, o filme entrara e
saíra de cartaz quase em segredo.
Donde poder vê-lo em Paraty seria uma rara oportunidade -também para mim, que estava viajando
e não o vira quando ele passou como um raio pelo Rio. Sentado numa
das cadeiras do cineminha local,
pisquei para Joffre quando ele entrou e, debaixo da tela, tentou dizer
algumas palavras antes da sessão.
Apenas tentou -porque, emotivo como era, chorou ao descrever
os quase 10 anos de vida que o filme
lhe custara, a luta para levantar o
dinheiro e sua insegurança a respeito das liberdades que tomara ao
adaptar a peça quase sagrada de
seu pai. E, finalmente, o fato de que
tão pouca gente pudera vê-lo.
Finalmente, Joffre enxugou os
olhos e o filme começou. Com poucos minutos, convenci-me de que
"Vestido de Noiva" estava todo ali,
não como um "teatro filmado", como tinham dito os críticos, mas legitimamente transfigurado para o
cinema. De repente, por volta do
20º minuto, pifou a energia na cidade. Paraty ficou às escuras.
E, então, aconteceu uma coisa
bonita: ninguém arredou pé. Durante uma hora esperamos que a
energia voltasse e a sessão se reiniciasse. E, como isso não aconteceu,
lentamente fomos embora, todos
juntos, dezenas de pessoas, pelas
ruas de Paraty. Imaginei que Joffre
estaria chorando de novo. As lágrimas o impediriam de ver o céu, absurdamente estrelado, e o cortejo
de pirilampos, formado pelos celulares acesos que as pessoas usavam
à guisa de lanternas.
Joffre Rodrigues morreu nesta
quarta no Rio.
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