São Paulo, segunda-feira, 06 de setembro de 2004

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FERNANDO RODRIGUES

Domésticas de Brasília

BRASÍLIA - Toda vez que um amigo estrangeiro vem ao Brasil e passa em casa é comum uma frase com um misto de espanto e reprovação: "You've a maid?!" ("você tem uma empregada?!"). A surpresa é maior com os anúncios de apartamentos nos jornais: todas as plantas já prevêem as "dependências completas". O eufemismo tem evoluído para "terceiro quarto reversível".
Não há país civilizado com tamanha sem-cerimônia a respeito de ter empregadas domésticas. Em Brasília -só podia ser aqui- apareceu uma novidade: uma lei aumentando de 3,8 m2 para 8 m2 o tamanho mínimo do cubículo das "dependências".
A lei humanitária partiu de um deputado local petista, Chico Vigilante. Legislação aprovada, foi sancionada pelo governador do Distrito Federal, Joaquim Roriz -ele próprio um ex-petista e hoje filiado ao PMDB.
A mídia candanga saudou a lei. "Projeto fulmina discriminação" e "Quarto maior para domésticas" foram duas manchetes. É boa a lei? Certamente dará mais espaço para as empregadas. E daí? Daí muito pouco. É mais uma demonstração de como a América católica trata as suas mazelas: prefere uma acochambrada em vez de resolver o problema.
O fato é que a Constituição de 88 criou duas classes de trabalhadores no país. Uma delas é a dos que têm direito a Fundo de Garantia, seguro-desemprego e outros benefícios. A outra, a das empregadas domésticas -não, elas não têm FGTS nem seguro-desemprego. Também só têm direito a 20 dias de férias por ano.
Agora, em Brasília, terão oito metros quadrados nas suas "dependências". É sórdido, mas é mais ou menos assim: o regime é de semi-escravidão, só que agora haverá mais espaço. Nem isso é certo. Empreiteiras já planejam entrar na Justiça contra a lei. Apesar de Lula e Duda Mendonça incentivarem uma grande festa para amanhã, as empregadas domésticas têm pouco a comemorar no dia da Independência do Brasil.


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