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ANTONIO DELFIM NETTO
Folclore ecológico
A "consciência ecológica" generalizou-se no Brasil a partir do
fim dos anos 60. Por insistência do
Banco Mundial, todos os grandes projetos nacionais deveriam passar por
um escrutínio cuidadoso sobre os seus
efeitos de longo prazo na conservação
dos recursos naturais. Antes disso
existiam apenas alguns estranhos indivíduos que, com ares proféticos, antecipavam que o uso abusivo de tais
recursos poderia produzir problemas
catastróficos no futuro. O primeiro
grande empreendimento nacional no
qual a questão ecológica emergiu com
"força de veto" foi Carajás. Com as
exigências do Banco Mundial e a necessidade de um financiamento múltiplo (Banco Mundial, União Européia e Japão), o "roadshow" do projeto enfatizava para platéias já mais sensíveis ao problema do que a nossa a rigorosa combinação da eficiência econômica com a preservação do ambiente. Mostrava-se que o projeto seria rentável a despeito dos custos conservacionistas. Hoje, vinte e tantos
anos depois, não creio que nenhum
dos financiadores possa dizer que as
exigências ecológicas não tenham sido
atendidas de forma satisfatória.
De todos os animais que a evolução
produziu ao longo da escala que nos
separa da origem da vida, nenhum
tem como o homem "sapiens" engenho e capacidade destrutiva: basta
lembrar as inúmeras civilizações que,
ao consumirem seu ambiente, consumiram-se a si mesmas. Todos os outros animais que convivem e tiram
proveito oportunístico da natureza estabelecem com ela relações funcionais
repetitivas e duradouras, do tipo predador e presa. Estas tomam a forma
cíclica e, no limite, o abuso do predador leva à extinção das duas espécies,
deixando intacto o ambiente. O mais
freqüente é um equilíbrio cíclico instável entre predador e presa.
Hoje todos reconhecemos a importância do respeito à natureza e a necessidade de conservação do ambiente
para o desenvolvimento sustentado
de que é beneficiário o próprio homem. Essa posição envolveu um ato
de suprema humildade: de "senhor"
da natureza, ele teve de passar a ver a si
mesmo como parte dela. Permanentemente, tenta ajustá-la às suas necessidades, mas tem de aceitar que os recursos naturais são finitos. Qualquer
utilização impensada representará
maior escassez futura, aumentando a
entropia do sistema ecológico.
Tão insensata quanto o desconhecimento desses fatos é a negação ao homem de "ajustar" a natureza às suas
necessidades, preservando tanto
quanto é possível a "ordem do sistema
ecológico". Essa parece ser a postura
dos "verdes radicais", vítimas, como
todos os radicais, dos mitos "das florestas".
O Brasil está numa situação delicada. O conhecimento científico disputa
palmo a palmo a primazia com o folclore. Assistimos espantados ao atraso
de "outorga" de irrigação de hortifrutigranjeiros. Esse setor, cuja industrialização é imperiosa, produziu neste
ano dois choques de oferta inflacionários. Assistimos horrorizados à volta
da "teoria criacionista" no ensino secundário. Assistimos desanimados à
resistência à "lei da gravidade" que é o
uso de sementes geneticamente modificadas. Nada disso "protege" a natureza. Na melhor das hipóteses, nos
empobrece material e espiritualmente...
Antonio Delfim Netto escreve às quartas-feiras
nesta coluna.
dep.delfimnetto@camara.gov.br
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