São Paulo, quarta-feira, 06 de outubro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

Juízo final

RIO DE JANEIRO - Deveria estar comentando as eleições do domingo passado, conforme pedem alguns leitores. Mas sou retardado, como dizia meu pai. Deu-se que, em remoto tempo, ele foi fazer uns consertos em casa, subiu numa escada dessas que abrem e fecham, a escada perdeu o prumo e, para não cair, ele se segurou precariamente numa saliência da parede e gritou por mim, pedindo socorro.
Custei a aparecer. E, quando apareci, ele já estava no chão, aparentemente sem contusões e avarias. Pensei que fosse me bater, não era disso, mas devia estar com raiva de mim. Limitou-se a constatar: "Você vai chegar atrasado ao Juízo Final!".
Eu conhecia a lenda. No final dos tempos, ao soar as trombetas dos anjos Gabriel, Miguel e Rafael, todos os mortos ressuscitariam e, juntando-se aos vivos, se reuniriam no Vale de Josafá para o Juízo Final, para ouvir a sentença da salvação ou da condenação eternas. Segundo o pai, vivo ou morto, eu chegaria atrasado.
É isso aí. Nem todas as profecias dele se realizaram, mas essa acertou na mosca. Sempre cheguei atrasado na vida, menos quando se trata de trem ou de avião. Mas, no resto, sou mesmo retardatário, ou retardado -o que me parece a mesma coisa.
Deixo para mais tarde comentar a meu modo os resultados que já são sabidos e suas implicações, que já foram suficientemente analisadas pelos entendidos. Pouco teria a acrescentar, mesmo assim darei alguns palpites.
Um leitor perguntou onde foi que um cabo de polícia, visivelmente embriagado, deu um tiro na urna eleitoral -conforme denunciei na crônica de domingo. O leitor não me entendeu. O fato não houve, pelo menos que eu saiba. A alegação é antiga e provável por parte dos vencidos de todos os tempos que choram pelo leite derramado. O interessante é que, nessa hipótese, o cabo está sempre visivelmente embriagado. Na realidade, às vezes está sóbrio.


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