São Paulo, sexta-feira, 06 de outubro de 2006

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Desastre no vôo 1907

Autoridades devem agir com transparência e sobriedade na apuração das causas do acidente que matou 154 pessoas

TRAGÉDIAS aéreas como a que vitimou os 154 passageiros e tripulantes do vôo 1907, há uma semana, produzem compreensível comoção. O público manifesta aguda avidez por informações, que os meios de comunicação se empenham em satisfazer. O necessário processo de esclarecimento, no entanto, pode facilmente desencaminhar-se, contribuindo de maneira paradoxal para a diminuição da confiança no sistema de segurança de vôo.
Em acidente de tal gravidade, a investigação é sempre complexa. Mesmo em países de cultura técnica avançada, pode consumir meses, até mais de um ano. Enquanto isso, a imprensa cumpre seu papel de buscar informações onde estejam disponíveis e responde por sua qualidade.
À autoridade incumbida da investigação cabe atender a imperativos por vezes conflitantes. Em primeiro lugar deve vir, decerto, o compromisso com o embasamento factual das explicações que venha a produzir. Como órgão de governo, ademais, compete-lhe pautar-se pela transparência, ou seja, dar publicidade a seus atos e achados. Somente no caso de prejuízo patente para o andamento da investigação se justificaria, por exemplo, omitir informações aos familiares das vítimas e à sociedade.
Entre tais obrigações não se encontra, contudo, a de pronunciar-se sobre as variadas especulações e teorias sem apoio em fatos comprovados que costumam surgir nessa hora. Pouco há de estabelecido neste momento prematuro da investigação, além de que o jato Legacy se encontrava na mesma altitude do Boeing, onde não deveria estar, e que houve falhas de comunicação. É muito pouco para sustentar a condenação prévia dos pilotos norte-americanos que já se ensaia em alguns setores.
Favorecer tal hipótese pode facilmente ser interpretado como tentativa de inocentar antes da hora o sistema de controle de vôo ou a infra-estrutura de comunicação. Assim como a investigação, o serviço fica sob alçada da Aeronáutica, razão a mais para precaver-se diante da possibilidade de que se trate de uma reação de autodefesa corporativa. Os interesses que cercam uma tal apuração de causas e responsabilidades são múltiplos, e manter eqüidistância em relação a todos eles constitui um requisito básico de prudência.
Até que se apurem exaustivamente todos os registros, perícias e gravações, não é possível excluir a priori outras falhas e fatores que possam ter concorrido para o desastre. Não há como responsabilizar ou isentar, no estágio atual, qualquer parte envolvida. Uma responsabilidade primária das autoridades está em zelar para que o fluxo constante de informações não lance sombras desnecessárias sobre o processo investigativo.


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