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Desastre no vôo 1907
Autoridades devem agir com transparência e sobriedade na apuração das causas do acidente que matou 154 pessoas
TRAGÉDIAS aéreas como a
que vitimou os 154 passageiros e tripulantes do
vôo 1907, há uma semana, produzem compreensível comoção. O público manifesta aguda avidez por informações, que
os meios de comunicação se empenham em satisfazer. O necessário processo de esclarecimento, no entanto, pode facilmente
desencaminhar-se, contribuindo de maneira paradoxal para a
diminuição da confiança no sistema de segurança de vôo.
Em acidente de tal gravidade, a
investigação é sempre complexa.
Mesmo em países de cultura técnica avançada, pode consumir
meses, até mais de um ano. Enquanto isso, a imprensa cumpre
seu papel de buscar informações
onde estejam disponíveis e responde por sua qualidade.
À autoridade incumbida da investigação cabe atender a imperativos por vezes conflitantes.
Em primeiro lugar deve vir, decerto, o compromisso com o embasamento factual das explicações que venha a produzir. Como
órgão de governo, ademais, compete-lhe pautar-se pela transparência, ou seja, dar publicidade a
seus atos e achados. Somente no
caso de prejuízo patente para o
andamento da investigação se
justificaria, por exemplo, omitir
informações aos familiares das
vítimas e à sociedade.
Entre tais obrigações não se
encontra, contudo, a de pronunciar-se sobre as variadas especulações e teorias sem apoio em fatos comprovados que costumam
surgir nessa hora. Pouco há de
estabelecido neste momento
prematuro da investigação, além
de que o jato Legacy se encontrava na mesma altitude do Boeing,
onde não deveria estar, e que
houve falhas de comunicação. É
muito pouco para sustentar a
condenação prévia dos pilotos
norte-americanos que já se ensaia em alguns setores.
Favorecer tal hipótese pode facilmente ser interpretado como
tentativa de inocentar antes da
hora o sistema de controle de
vôo ou a infra-estrutura de comunicação. Assim como a investigação, o serviço fica sob alçada
da Aeronáutica, razão a mais para precaver-se diante da possibilidade de que se trate de uma reação de autodefesa corporativa.
Os interesses que cercam uma
tal apuração de causas e responsabilidades são múltiplos, e manter eqüidistância em relação a todos eles constitui um requisito
básico de prudência.
Até que se apurem exaustivamente todos os registros, perícias e gravações, não é possível
excluir a priori outras falhas e fatores que possam ter concorrido
para o desastre. Não há como
responsabilizar ou isentar, no estágio atual, qualquer parte envolvida. Uma responsabilidade
primária das autoridades está
em zelar para que o fluxo constante de informações não lance
sombras desnecessárias sobre o
processo investigativo.
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