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Opinião flexível
Uma vez que é impossível reescrever história de Erenice na Casa Civil, PT tenta mudar visão sobre aborto em busca de votos para Dilma Rousseff
Uma pequena porcentagem de
votos fez com que escapasse das
mãos da petista Dilma Rousseff a
chance de vencer a eleição presidencial no primeiro turno.
Ao impacto causado pelo escândalo envolvendo Erenice
Guerra, principal auxiliar de Dilma na chefia da Casa Civil, somou-se nos últimos dias da campanha o peso de questões como a
do casamento gay e da descriminalização do aborto. Eleitores contrários a essas propostas teriam
identificado em Marina Silva uma
representante mais confiável do
que seria Dilma Rousseff.
Uma vez que é impossível, apesar dos esforços em contrário,
reescrever a história da passagem
de Erenice Guerra pela Casa Civil,
lideranças do PT correm atrás do
prejuízo eleitoral tratando de reescrever as posições do partido no
que diz respeito ao aborto.
"Foi um erro ser pautado internamente por algumas feministas", declarou o secretário de Comunicação do partido, André Vargas, num pânico eleitoral tardio, e
em meio ao vale-tudo de sempre.
Entre essas "feministas" minoritárias, seria preciso incluir a própria Dilma Rousseff, que em 2007
se declarava favorável à descriminalização do aborto: "No Brasil, é
um absurdo que não haja".
Com a campanha, o discurso de
Dilma Rousseff moderou-se, coincidindo com a tese oficial do ministério da Saúde do governo Lula: trata-se de encarar a questão
da descriminalização do aborto
não propriamente do prisma religioso, mas como um problema de
saúde pública.
A tese, com a qual esta Folha já
concordou por diversas vezes em
editoriais, evidentemente não satisfaz quem considera, a partir de
sua fé religiosa ou de suas convicções íntimas, a interrupção da gravidez como um atentado à vida de
um ser humano. O fato de que
operações clandestinas, em condições das mais precárias, levem à
morte milhares de mulheres todos
os anos no país não é argumento,
na opinião desses setores, para
que o Estado ofereça acesso generalizado ao procedimento.
Trata-se, como aconteceu em
inúmeros países, de matéria a ser
resolvida em plebiscito; era o que
propunha, aliás, a candidata Marina Silva, apesar de sua postura
antilegalização. Pesquisa do Datafolha, realizada em 2007, registrava forte maioria de opiniões contrárias à flexibilização nas regras
em vigor. Estas, permitindo o
aborto em caso de estupro ou risco
de morte da mãe, contam com
68% de apoio da população.
Um debate continuado a respeito do tema, antecedendo a uma
consulta popular, poderia -ou
não- alterar esse quadro. Na corrida por uma pequena porcentagem de votos, entretanto, o PT e
sua candidata preferem apostar
na desconversa e na mistificação.
Condenam a descriminalização
do aborto do mesmo modo que
poderiam apoiá-la, fosse outra a
ponderação dos marqueteiros.
Defenderão os sem-terra e o
agronegócio, a Polícia Federal e o
ficha-suja, a sexóloga feminista e
o pagodeiro acusado de espancar
a mulher, pouco importa -desde
que esteja garantida a sobrevivência do seu esquema de poder. É o
único "direito à vida", aliás, que
os mobiliza neste instante.
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