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OTAVIO FRIAS FILHO
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Num governo no qual até os
partidários entusiastas vêm pouco motivo para entusiasmo, resignados aos constrangimentos de uma política econômica defensiva, sobram
elogios à política externa. É como se,
na falta do que elogiar, a circulação internacional a que o presidente Lula se
entrega com gosto coroasse uma diplomacia brilhante.
O gosto pelas viagens presidenciais
foi uma das coisas que não mudaram
(dizem que todo presidente gosta de
viajar, para fugir às pressões que bombardeiam o gabinete e aparecer "bem"
na mídia nacional). Mas, no governo
tucano, a retórica era mais discreta;
evitava-se hostilizar os Estados Unidos fora das negociações comerciais.
Agora o atrito verbal aumentou, e o
Brasil tenta projetar sua influência para além do circuito regional, onde ela
sempre foi importante, articulando
alianças e aproximações. A curiosidade que a biografia de Lula suscita no
estrangeiro e a simpatia que ela desperta entre as correntes de esquerda
têm funcionado como alavanca dessa
ofensiva externa.
Lula não é um ditador agarrado ao
poder como Fidel Castro nem um
aventureiro temerário como Hugo
Chávez. Não preside um país que foi à
lona, como a Argentina. Sua imagem
mistura raiz popular e respeitabilidade democrática. E, fora do Brasil, poucos sabem o quanto ele já abriu mão
das posições anteriores, como fez a esquerda européia há 20 anos.
Se é imperativo ser rigoroso na política econômica, na qual uma barbeiragem qualquer pode produzir resultados desastrosos e imediatos, a política
externa permite mais liberdade. Seu
ritmo é outro, mais lento, e suas consequências são menos palpáveis. No
caso de um país com pequena influência internacional, ela é pouco mais que
retórica.
O governo Lula tem investido na recuperação política do Mercosul, que
entrara em colapso durante as turbulências do segundo mandato tucano,
enquanto se dedica a um frenesi de
entendimentos na América Latina,
com países europeus fora da órbita
americana, com a Índia e, agora, na
África. Ninguém há de condenar esses
esforços.
São evidentes, porém, suas limitações. Por trás da retórica diplomática
vigoram relações de poder real, sempre implícitas. A força de atração da
economia americana é imensa; parte
desses acordos será desfeita conforme
países menores forem tragados um a
um por ela, a exemplo do que já acontece com Chile e México.
Dado o desconto das diferenças de
retórica, o Brasil parece condenado a
persistir na orientação anterior também em relação aos Estados Unidos.
Outro caso de uma política defensiva
por falta de opção disponível: criar
problemas, atrasar o cronograma da
Alca, negociar a agenda "light" (que
deixaria fora os assuntos polêmicos),
agir em bloco quando possível e se resignar.
Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.
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