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São Paulo, quinta-feira, 06 de novembro de 2003

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OTAVIO FRIAS FILHO

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Num governo no qual até os partidários entusiastas vêm pouco motivo para entusiasmo, resignados aos constrangimentos de uma política econômica defensiva, sobram elogios à política externa. É como se, na falta do que elogiar, a circulação internacional a que o presidente Lula se entrega com gosto coroasse uma diplomacia brilhante.
O gosto pelas viagens presidenciais foi uma das coisas que não mudaram (dizem que todo presidente gosta de viajar, para fugir às pressões que bombardeiam o gabinete e aparecer "bem" na mídia nacional). Mas, no governo tucano, a retórica era mais discreta; evitava-se hostilizar os Estados Unidos fora das negociações comerciais.
Agora o atrito verbal aumentou, e o Brasil tenta projetar sua influência para além do circuito regional, onde ela sempre foi importante, articulando alianças e aproximações. A curiosidade que a biografia de Lula suscita no estrangeiro e a simpatia que ela desperta entre as correntes de esquerda têm funcionado como alavanca dessa ofensiva externa.
Lula não é um ditador agarrado ao poder como Fidel Castro nem um aventureiro temerário como Hugo Chávez. Não preside um país que foi à lona, como a Argentina. Sua imagem mistura raiz popular e respeitabilidade democrática. E, fora do Brasil, poucos sabem o quanto ele já abriu mão das posições anteriores, como fez a esquerda européia há 20 anos.
Se é imperativo ser rigoroso na política econômica, na qual uma barbeiragem qualquer pode produzir resultados desastrosos e imediatos, a política externa permite mais liberdade. Seu ritmo é outro, mais lento, e suas consequências são menos palpáveis. No caso de um país com pequena influência internacional, ela é pouco mais que retórica.
O governo Lula tem investido na recuperação política do Mercosul, que entrara em colapso durante as turbulências do segundo mandato tucano, enquanto se dedica a um frenesi de entendimentos na América Latina, com países europeus fora da órbita americana, com a Índia e, agora, na África. Ninguém há de condenar esses esforços.
São evidentes, porém, suas limitações. Por trás da retórica diplomática vigoram relações de poder real, sempre implícitas. A força de atração da economia americana é imensa; parte desses acordos será desfeita conforme países menores forem tragados um a um por ela, a exemplo do que já acontece com Chile e México.
Dado o desconto das diferenças de retórica, o Brasil parece condenado a persistir na orientação anterior também em relação aos Estados Unidos. Outro caso de uma política defensiva por falta de opção disponível: criar problemas, atrasar o cronograma da Alca, negociar a agenda "light" (que deixaria fora os assuntos polêmicos), agir em bloco quando possível e se resignar.


Otavio Frias Filho escreve às quintas-feiras nesta coluna.


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