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CARLOS HEITOR CONY
Um conselho ao papa
RIO DE JANEIRO - É troncudo,
fala pouco e parece pensar muito.
Chama-se Marcos, é motorista de
um amigo, volta e meia me dá uma
carona. Dele tenho poucas certezas:
é fiel ao patrão, fiel até mesmo aos
amigos do patrão. Sei pouco sobre
ele, além dessa fidelidade e das poucas palavras que se digna pronunciar, como se delas não precisasse.
Tem pavor de balas perdidas, de
seqüestros, de qualquer tipo de violência urbana, social ou metafísica,
pois tem medo de fantasmas e acredita em espíritos.
Prefere esganar a mãe a ser obrigado a passar pela Linha Amarela
-onde acredita que todos os bandidos da cidade e do mundo se concentram. Lê jornais alternativos da
Baixada Fluminense e sabe de coisas que os outros jornais nem ousam suspeitar. Casos de adultério
que terminam em facadas, roubo de
crianças para revenda na Alemanha, bandos inteiros massacrados
por policiais do Esquadrão da Morte -fala pouco, mas sabe muito e
eventualmente avisa que um dia vai
embora, não sabe ainda para onde.
Leu, também não sei onde, que os
presidiários pretendem seqüestrar
o papa quando Sua Santidade vier
ao Brasil, ano que vem. Farão exigências espúrias e, se não forem
atendidos, abrirão uma vaga no almanaque pontifício da Santa Sé.
Pedi detalhes e ele deu o que sabia e imaginava. Um papa preso
num desses presídios de segurança
máxima. A batina branca, imaculada, suja de sangue -ele seria torturado para convencer o governo de
que os presos estavam dispostos a
tudo. As autoridades nacionais ficariam borradas de medo de criar um
caso de tal magnitude. Fariam acordos abomináveis com os bandidos.
Tentei negar tudo o que ele falava. Ouviu meus argumentos com
seriedade, mas encerrou o diálogo
com uma advertência que transmito à Sua Santidade: "Eu, se fosse o
papa, não colocaria os pés aqui".
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