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Linha burra na "moratória" da soja
MÁRCIO SANTILLI
Acordo para "moratória" na compra da soja oriunda de novos desmatamentos é interpretado de maneira perversa por europeus
ACORDO ENTRE Greenpeace,
Abiove e tradings para uma
"moratória" na compra da soja
oriunda de novos desmatamentos está sendo interpretado de maneira
perversa por importadores europeus,
segregando produtores sem estimular a melhoria da qualidade socioambiental da produção. Melhor seria
compartilhar no interior da cadeia
produtiva os custos relativos à melhoria da qualidade.
A produção da soja tem suscitado
acirrados debates. Em se tratando de
uma atividade altamente capitalizada, pelo menos até o início da recente
crise, e que é destinada ao mercado
internacional, sob fortes demanda e
concorrência, ela tem sido alvo de
pressões mais agudas e freqüentes do
que outras cadeias produtivas.
Um foco importante de debate se
refere ao plantio de variedades transgênicas, ainda mal resolvido. Outro
viés da polêmica diz respeito à qualidade socioambiental do produto: se
ele provém de propriedades em que é
respeitada a legislação trabalhista e
ambiental, no que se refere à eventual
ocorrência do uso do trabalho infantil
ou forçado ou da supressão da cobertura vegetal nativa.
Bem mais crítica é a conexão com o
desmatamento na Amazônia, que alcançou índices pornográficos em
anos recentes, com impactos negativos sobre a biodiversidade e o clima. A
maior parte do passivo ambiental na
Amazônia está concentrada na pecuária, mas há regiões em que ocorre
a conversão de floresta em plantações
de soja, além do impacto indireto que
geram ao deslocar outras atividades
para áreas até então florestadas.
Nesse contexto, movimentos ambientalistas e de produtores alternaram críticas mútuas e tentativas de
negociações sobre critérios de sustentabilidade da produção, sobretudo
em relação à produção destinada ao
mercado europeu, onde são maiores
as exigências dos consumidores e o
poder de pressão dos ambientalistas.
Paralelamente, o Greenpeace realizou um movimento de pressão sobre
os principais importadores europeus
que resultou no anúncio de uma "moratória" na aquisição da soja que venha a ser produzida em áreas de novos desmatamentos.
Como é difícil saber ao certo se a
produção advém de áreas recentemente desmatadas, os compradores
europeus encontraram uma maneira
mais fácil de se esquivar da pressão
dos ambientalistas, deixando de comprar a soja produzida ao norte da linha divisória entre o cerrado e a floresta amazônicos.
Assim, o resultado concreto do
acordo entre o Greenpeace e a Associação Brasileira das Indústrias de
Óleos Vegetais está sendo perverso.
Estabelece uma linha burra, pois não
há nada que garanta que a soja comprada ao sul esteja sendo produzida
de acordo com as boas práticas ambientais, e prejudica os esforços daqueles que eventualmente estejam
produzindo de forma adequada ao
norte da divisória ou que pretendam
melhorar a qualidade da produção.
Se essa tendência prevalecer, como
ficarão os proprietários baseados no
bioma florestal? Deverão abrir mão
das boas práticas, já que estarão excluídos dos mercados mais qualitativos?
Embarcarão na onda das variedades transgênicas ou mudarão para
a pecuária ou a cana-de-açúcar? De
onde poderão obter recursos necessários à melhoria da qualidade da sua
produção? E, por outro lado, liberada
de qualquer critério, a produção de
soja não pressionará ainda mais o bioma do cerrado, onde nascem as águas
que formam a bacia Amazônica?
A questão central está no planejamento da propriedade, e não na sua
localização geográfica. E, embora novos desmatamentos sejam sempre indesejáveis, há casos em que eles são
legalmente possíveis.
A discussão sobre critérios deve
prosseguir ao largo desse equívoco, de
modo a gerar um paradigma positivo
que possa se estender às demais cadeias produtivas.
Muito melhor que a suposta "moratória" seria enfrentar a questão concreta dos custos socioambientais de
uma produção de boa qualidade por
meio da constituição de um fundo
composto por uma taxação acordada
nas transações comerciais que seja
revertido para projetos de apoio aos
produtores dispostos a sanar os seus
passivos e a melhorar a qualidade do
seu produto. Se os compradores e
consumidores desejam dispor sempre de soja de boa qualidade, devem
colaborar ativamente com os seus
parceiros, compartilhando os custos
implícitos, venha ela de onde vier.
MÁRCIO SANTILLI, 51, é coordenador da campanha
"Y Ikatu Xingu do Instituto Socioambiental, ONG da qual é
sócio-fundador. Foi deputado federal pelo PMDB-SP
(1983-87) e presidente da Funai (1995-96).
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