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RUY CASTRO
Dez por um
RIO DE JANEIRO - O ser humano
não falha, diz uma amiga minha.
Uma tragédia como a das chuvas
em Santa Catarina traz à tona mais
do que cadáveres de pessoas ou de
animais, desperta reações tão graves quanto doenças ou epidemias e
destrói mais do que propriedades.
Quase sempre, revela também o
que há de pior nesse ser humano.
Há os que se aproveitam da desgraça para saquear supermercados,
bares e farmácias. Na pilhagem, entram artigos essenciais, mas também cachaça, cigarros, remédios
controlados ou o que estiver boiando. Há os que não poupam nem os
desalojados e invadem suas casas
para se apoderar do que restou. E
há os que desviam donativos em benefício próprio ou os interceptam
para vender para os desesperados.
O que choca, no caso, não é só o
prejuízo material, mas o rombo
moral que se instala na humanidade, ao se ver formada por pessoas
tão sem respeito ou amor por seus
semelhantes. Quando se diz que o
ser humano não falha é porque é isso que se espera dele -e ele não nos
decepciona.
Ao mesmo tempo, a enchente de
Santa Catarina atraiu também legiões de voluntários às zonas atingidas: médicos, enfermeiras, bombeiros, policiais, pescadores, cozinheiros, radialistas, estudantes, assistentes sociais -gente que, muito
além de suas obrigações, e correndo
risco de vida, estava ali para mitigar,
socorrer e salvar.
Quero crer que, para cada canalha que se locupletou, acorreram
pelo menos dez pessoas empenhadas em ajudar. Quero crer, não. Tenho certeza -porque, logo nos primeiros dias, quando ainda nem se
sabia a extensão do problema, vi a
Banda de Ipanema numa esquina,
tocando por Santa Catarina, ao lado
de um caminhão já abarrotado de
donativos. Era um dia de semana,
de tarde. O ser humano, às vezes, falha -para o bem.
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