São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A terceira reforma da Previdência

AMIR LANDO

A terceira reforma da Previdência Social está acontecendo, é permanente e tem um nome: choque de gestão. O que a sociedade brasileira não suportaria mais é uma nova reforma constitucional nos moldes das que foram feitas em 1998 e em 2003 -muito necessárias-, por um motivo muito simples: o brasileiro não suporta mais aumento de alíquota e redução de benefício. Uma reforma assim só reforçará os interesses de quem defende a privatização do sistema previdenciário. E nós somos contra isso.
Inspirado nas reformas microeconômicas, o choque de gestão é feito de muitas minirreformas. Por isso, é silencioso. Sob seu guarda-chuva, criamos a Assessoria de Gerenciamento de Riscos, para identificar falhas e propor soluções; a força-tarefa, espalhada por todo o país, responsável pela prisão de 150 fraudadores no ano passado; a Previc, superintendência para cuidar dos fundos fechados de pensão; e a Secretaria de Receita Previdenciária, inspirada na Receita Federal e nas modernas técnicas de recuperação de créditos. Além disso, regulamentamos os fundos de pensão dos servidores do Estado e vamos iniciar a reconstrução do cadastro, para simplificar a concessão e a emissão de benefícios.
Seu objetivo principal: humanizar a Previdência Social brasileira. O meio para cumprir esse objetivo: dotar a sociedade brasileira de novas instituições, que dêem ao Estado os mecanismos necessários à promoção do desenvolvimento sustentável de longo prazo. Esse é o nosso compromisso com as novas gerações. A ação gerencial é tudo o que uma nova e problemática reforma constitucional não representaria.
Numa perspectiva histórica, a reforma de 2003, que introduziu o conceito de tempo de contribuição para todos os trabalhadores e modificou a idade mínima para servidores públicos, foi fundamental. Mas os problemas do dia-a-dia continuam existindo. A qualidade do atendimento e as fraudes ainda afetam lamentavelmente a credibilidade da Previdência. Novas reformas constitucionais, embora possam ser defensáveis sob alguns aspectos, não conseguiriam mudar esse quadro.
Os efeitos dessas reformas se limitam, de modo geral, aos benefícios por idade ou ao tempo de contribuição. Não levam em conta, por exemplo, os benefícios de risco, como aposentadorias por invalidez, auxílios-doença e pensões por morte, que atingem 38% dos inativos com até 55 anos de idade. Esses dados demonstram que não se trata de um problema relativo aos idosos. Relaciona-se também aos benefícios por invalidez, doenças e morte prematura.


Numa perspectiva histórica, a reforma de 2003 foi fundamental. Mas problemas continuam existindo
Temos problemas. Reconhecemos isso e não fechamos a porta ao debate. Mas acreditamos que o choque de gestão deve demonstrar toda a força de seu efeito nas contas da Previdência antes do debate sobre uma nova reforma constitucional. Escolhemos o caminho mais difícil. O do trabalho permanente. Não negamos que nossa estrutura nos grandes centros urbanos deixa a desejar. Precisamos de mais pessoal e equipamentos para prestar um serviço de melhor qualidade. Em muitas grandes cidades, as filas são um problema. E persistem as fraudes contra o sistema, entre muitos problemas a encarar.
Mas temos uma resposta para cada um desses problemas apresentados. O sucateamento será solucionado com a compra de novas máquinas, o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) investirá US$ 188 milhões para substituir a arquitetura de nossos sistemas de computadores, da década de 70, por uma arquitetura moderna, compatível com a grandeza que a Previdência adquiriu de lá para cá; criamos forças-tarefas, que já mandaram para a prisão quase 150 pessoas.
Nossa preocupação, portanto, é bem outra. O debate precipitado abre caminho à crítica fácil e coloca a Previdência Social do Brasil em situação difícil: fragiliza nossa imagem e, assim, proporciona, de forma equivocada, a munição desejada por muitos grupos econômicos para propor a sua privatização; gera tensão no relacionamento entre os servidores e os cidadãos que vão às agências; e desacredita a instituição, estimulando a cultura da sonegação, prejudicando e colocando em risco a manutenção do sistema, e aumentando a dívida.
Quem realmente sai prejudicado com o descrédito generalizado da Previdência é o cidadão. Entre outras conseqüências, todas muito graves, mencionamos uma, a título de demonstração: o descrédito da instituição provoca em profissionais autônomos (domésticas, motoboys, pedreiros, cabeleireiros) a idéia de que não têm a necessidade de contribuir, ou de que a contribuição, sacrificada, não trará benefícios. Não é verdade. Grande parte dessas pessoas irá necessitar, durante a vida, de alguns desses benefícios. Caso não contribuam, não terão o direito a eles e poderão estar condenados a passar a idade madura na linha da necessidade e da miséria. Por isso, entre nós aqui da Previdência, o choque de gestão também é conhecido por choque de inclusão.
Amir Lando, 60, bacharel em direito, é ministro da Previdência Social. Foi senador pelo PMDB-RO (1999-2003).

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