São Paulo, segunda-feira, 07 de fevereiro de 2005

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Por uma educação de resultados

GUSTAVO IOSCHPE

Em artigo publicado neste espaço no dia 18/01 o ministro Tarso Genro (Educação) discorreu, com o usual brilhantismo, contra projeto de reforma do financiamento da educação básica brasileira defendido pelo signatário em texto do dia 11/01.
A reforma visa criar uma lei de responsabilidade educacional (LRE), que alteraria a maneira pela qual os recursos para a educação são transferidos da União a Estados e municípios. Hoje, com o Fundef, vige o mecanismo da necessidade: quando uma localidade tem um investimento por aluno abaixo de um patamar determinado pelo MEC, o governo federal transfere recursos de alhures e adiciona seus recursos próprios para que se chegue ao valor mínimo. A lei manda que 60% desse gasto seja usado em salários de professores. O ministro aponta, corretamente, que esse mecanismo não é a causa de nossos problemas educacionais. Tampouco tem sido a solução, para desapontamento geral.
O Fundef teve dois impactos importantes: ao vincular o montante transferido ao número de crianças na escola, estimulou o aumento da matrícula no ensino fundamental, que cresceu 5% entre 1997 e 2002. Também elevou o salário dos professores das áreas mais pobres -no Nordeste, entre 1997 e 2000, esse aumento chegou a 60%.
Cumprido seu objetivo imediato, hoje nota-se que o fundo não atendeu à necessidade primeira do setor: melhorar a qualidade do ensino fundamental. Esta, na realidade, piorou, como indicam os resultados do Saeb. Do ano anterior à implementação do fundo ao último teste houve uma queda de rendimento de 8% na quarta série e de 5% na oitava.
Quais são as causas de nosso insucesso em oferecer educação de qualidade? Duas explicações são comumente aventadas.
A primeira culpada seria a própria expansão da matrícula, a popularização do sistema educacional. Uma análise histórica mostra, contudo, que a matrícula não tem impacto estatisticamente significativo sobre os resultados do Saeb e explica menos de 4% de sua variação.


Como pode o Brasil ter investido tanto esforço e recursos em sua educação e continuar com índices de qualidade desastrosos?
A quarta série, por exemplo, foi de 4,11 milhões de alunos em 1997 para 4,2 milhões em 2003 -um aumento de apenas 2%, contra uma queda de qualidade de 8%.
Outro vilão comumente citado é a escassez de recursos, mas também aí as estatísticas não nos dão alento. Para o ano de 1999, penúltimo disponível nos levantamentos internacionais, o gasto público brasileiro em educação como porcentagem do PIB (5,1%) era maior que aquele dos países industrializados, da OCDE, de 4,9%. No ano seguinte, o Brasil passou a 4,1%, e a OCDE, a 4,8%. Mesmo essa diferença é capciosa, já que não leva em conta as diferenças de proporção do público escolar atendido pelo governo nos diferentes países. No ensino universitário, por exemplo, nosso governo atende a apenas 3% do universo (dos 10% matriculados no ensino superior, só 30% estão nas públicas); nos países desenvolvidos, esse índice está perto de 40%.
Esse quadro leva à perplexidade: como pode o Brasil ter investido tanto esforço e recursos em sua educação e continuar com índices de qualidade desastrosos? Talvez a literatura empírica ajude a dar resposta.
A maioria dos estudos sobre a área indica, para grande surpresa, que aqueles mecanismos comumente associados à melhoria da educação e empregados pelo nosso governo, como melhor remuneração ao professor e menos alunos por sala de aula, têm resultados majoritariamente insignificantes.
O que fazer, então? Por um lado, agir sobre aquelas variáveis comprovadamente eficientes, como instalações físicas e humanas básicas nas escolas e uso do livro didático. Não falta onde atuar: os dados mais recentes indicam que quase 80% de nossas escolas públicas de ensino fundamental não têm biblioteca nem computador. Quase 25% não têm energia elétrica. Mais de 10% não têm sanitário ou esgoto. E, pasme, quase 70 mil escolas públicas da rede básica não têm diretor!
Sanar essas deficiências é condição necessária para uma educação de boa qualidade, mas certamente insuficiente. Ao fim e ao cabo, a educação é um diálogo entre professor e aluno. O salto de qualidade só virá quando o professor tiver mais conhecimento e estímulo. Não há receitas prontas para alcançar esse objetivo, nem um único caminho a ser tomado.
Hoje, temos uma situação insustentável: sofremos um problema de enormes dimensões e as soluções propostas revelam seu esgotamento. Precisamos reconhecer essas limitações e procurar alternativas novas.
As políticas públicas eficientes levam em conta que pessoas e instituições respondem a incentivos. Quando o Fundef vinculou a transferência de recursos ao número de alunos matriculados, houve uma corrida pelo aumento da matrícula. A LRE, ao ligar essa transferência a melhorias nos índices de desempenho educacional, gerará busca semelhante por resultados. A busca será certamente frutífera, pois se trata de desenvolver competências básicas, como alfabetização, em primeiro lugar, já encontradas em vários lugares do Brasil e do mundo. E esses frutos são desesperadamente necessitados pelo país, já que a educação é problema público, mais do que político, e concernente à nação, mais do que ao governo.

Gustavo Ioschpe, 27, mestre em desenvolvimento econômico pela Universidade Yale (EUA), é autor de "A Ignorância Custa um Mundo - o Valor da Educação no Desenvolvimento do Brasil" (W11 Editores). Foi colaborador da Folha nos cadernos Fovest (1996-97) e Folhateen (1997-2000).

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