São Paulo, quarta-feira, 07 de fevereiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Falta transparência na segurança pública

PAULO DE MESQUITA NETO

A Secretaria da Segurança Pública, com Serra, parece continuar prática adotada por Alckmin de divulgar estatísticas parciais

SAEM ALCKMIN e Saulo, entram Serra e Marzagão. Entretanto, pelo menos no início do novo governo, a expectativa de mudança na segurança pública -expectativa de todos que ainda se lembram da crise de maio-agosto de 2006- parece não se confirmar. Continua faltando transparência e sobrando encenação na Secretaria da Segurança Pública.
São Paulo tem o mérito de divulgar regularmente estatísticas sobre ocorrências criminais e mortes em ações policiais, o que não acontece em outros Estados, com exceção do Rio de Janeiro. Apesar de necessário, divulgar estatísticas não é suficiente para assegurar transparência. Muito depende de quais são as estatísticas e como são divulgadas.
A Secretaria da Segurança Pública tem prazer em divulgar estatísticas criminais em declínio -como acontece com as estatísticas de homicídio, em queda há seis anos- e se apressa em atribuir reduções nas ocorrências de homicídio à eficácia da polícia.
A divulgação das estatísticas de mortes em ações policiais, entretanto, é sempre uma ducha de água fria na pretensão do governo de melhorar a imagem da polícia. Na tentativa de minimizar o problema do elevadíssimo número de mortes em ações policiais no Estado, a secretaria, no governo Serra, parece continuar prática adotada no governo Alckmin de divulgar, por meio da imprensa, estatísticas parciais e explicações fundadas em interesses da secretaria e das polícias, e não na análise dos fatos.
Quantas pessoas foram mortas por policiais em 2006? Segundo os dados divulgados pela secretaria à imprensa, foram 533. Por que esse número foi muito superior ao registrado em 2005 (300)? Segundo a secretaria, sem mencionar os ataques do PCC e os revides da polícia em 2006, porque o número de 2005 foi o mais baixo dos últimos anos.
Acontece que 533 (542, segundo dados publicados no "Diário Oficial") é o número de pessoas mortas por policias em serviço, consideradas apenas as mortes registradas como "resistência seguida de morte". O número não inclui as mortes registradas como "resistência seguida de morte" que aconteceram quando os policiais estavam em folga. Também não inclui o número de pessoas mortas por policiais, em serviço e em folga, em casos registrados como "homicídio doloso" ou "homicídio culposo".
Em 2006, o número total de pessoas mortas por policiais em serviço e fora de serviço foi 708 (33% a mais que o número divulgado pela secretaria): 570 mortes registradas como resistência seguida de morte e 138 registradas como "homicídio" doloso ou culposo. Em 2005, o número total de pessoas mortas por policiais foi 469 (56% a mais que as 300 mortes divulgadas pela secretaria). Número superior ao de pessoas mortas por policiais de todas as polícias em todos os Estados dos Estados Unidos, que não passa de 400 por ano desde 1995.
Se 2005 foi o ano com o menor número de pessoas mortas por policiais nos últimos anos, isso se deve ao fato de que, a partir de 2000, com picos em 2002 e 2003, houve um dramático aumento no número de pessoas mortas por policiais comparativamente à década de 1990. Em 2003, 975 pessoas foram mortas por policias no Estado de São Paulo, número inferior apenas aos registrados em 1991 e 1992 (1.086 e 1.458, respectivamente).
A partir do ano 2000, diminuiu a violência na sociedade e a violência contra policiais. Por que não diminuiu a violência policial? Por que e como 705 pessoas foram mortas por policias no Estado de São Paulo somente em 2006? Em que medida a violência da polícia depende da violência na sociedade e da violência contra a polícia? E da política do governo? Da gestão das organizações policiais? Ou do controle interno e externo da polícia?
Respostas a essas perguntas são fundamentais para ações corretivas produzirem os resultados esperados.
Não só para melhorar a imagem da polícia, aumentar a confiança da população na polícia, o que é fundamental, mas para sustentar o processo de redução dos homicídios e da violência no Estado. Porém, essas respostas dependem de maior transparência na administração da segurança pública -o que permitiria substituir o senso comum e a ideologia por conclusões de pesquisas e discussões públicas.
Transparência, respeito à lei e aos direitos humanos e participação social são fundamentais para o sucesso de uma política de segurança pública. Quando a transparência falta, é impossível sustentar o respeito à lei e aos direitos humanos e a participação social. O resultado mais visível do déficit em transparência na área da segurança pública no governo Alckmin foi a crise de maio-agosto de 2006.


PAULO DE MESQUITA NETO, 45, doutor em ciência política pela Universidade de Columbia (EUA), é coordenador da área de Monitoramento dos Direitos Humanos do Núcleo de Estudos da Violência da USP.

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