São Paulo, sábado, 07 de fevereiro de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RUY CASTRO

Matéria líquida

RIO DE JANEIRO - "Alô, nação quemerdeense!". O grito de guerra do bloco Que Merda É Essa? -ecoando o das escolas de samba, que se dirige às, estas, sim, nações mangueirense, imperiana, leopoldinense- vai se fazer ouvir hoje em Ipanema e acionar milhares de foliões. Como este, cerca de mil outros blocos sairão às ruas do Rio nos próximos dias, e muitos deles mais de uma vez até o Carnaval.
É a vitória da folia sobre os nostálgicos que passaram as últimas décadas chorando o "fim" do Carnaval carioca, apenas porque ele não se parecia mais com o dos bondes à fantasia, do baile de gala no Municipal e das marchinhas de Lalá ou Braguinha. Eu próprio, em certa época, deixei-me contagiar por esse sentimento negativo, até aprender, com o falecido Albino Pinheiro, que a decadência não está no Carnaval, mas em nós mesmos.
Mas o que me angustiava, e com razão, era ver o Carnaval reduzido ao desfile das escolas -em certa época, para meu desespero, eles pareceram se tornar sinônimos. E, no desfile em si, a opulência visual esmagando a música, com as escolas incapazes de produzir sambas decentes e com letras que fugissem aos clichês.
Por sorte, os blocos voltaram -maciça e espontaneamente, sem um centavo oficial- e arrastaram o carioca para as ruas, como faziam no passado. Hoje, a cada Carnaval, eles movimentam milhões de pessoas, cantando, brincando e mandando para dentro hectolitros de cerveja per capita. O problema é que, assim como a alegria, a cerveja também precisa ser botada para fora. Haja xixi, e o poder público alega não ter verba para banheiros químicos suficientes.
Só vejo uma solução: os fabricantes de cerveja fornecerem os banheiros, às centenas, aos milhares, se preciso. Afinal, são eles que também fornecem a matéria-prima.


Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: O bom e velho PFL
Próximo Texto: Marcelo Ninio: O mesmo mar
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.