|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
SIM
Cabe ao Judiciário resolver o conflito
WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH
DEPOIS DE 20 anos de fascismo,
os italianos, em 1948, elegeram o modelo republicano. A
partir daí, a Itália passou a viver democraticamente, com uma magistratura independente e a observar as
normas constitucionais. Veio o boom
econômico e deitou raízes o eurocomunismo, fundado no pluralismo político e nos valores da democracia ocidental, em oposição à matriz soviética. A ascensão do Partido Comunista
Italiano (PCI) nunca foi suportada
pelos terroristas adeptos do modelo
soviético e pelos direitistas fascistas.
Por obra de Aldo Moro, assassinado
pelas Brigadas Vermelhas, criou-se
uma vertente de centro-esquerda na
Democracia Cristã, que era o maior
partido, e os sindicalistas se dividiram em três organizações diversas.
Em 12/12/1969, verificou-se o primeiro ato terrorista. Uma bomba deflagrada em Milão, na praça Fontana,
provocou a morte de 17 pessoas. Foi o
início da luta armada por organizações terroristas formadas por radicais
de esquerda e de direita. A meta era
aniquilar o Estado democrático de
Direito pelas armas, e não pelo voto.
Parênteses: algo incomparável com
o sucedido no Brasil, após 1964. Aqui
havia ditadura a promover o terrorismo de Estado, com assassinatos, tortura e desaparecimento de cadáveres.
Uma das primeiras vozes a se levantar contra o terrorismo foi a do
pensador Norberto Bobbio, que falou
em forças terroristas que agiam na
clandestinidade e afrontavam o sistema democrático.
Como fundamento jurídico único
da sua decisão concessiva do refúgio
político, o ministro Tarso Genro (Justiça) presumiu não poder a Itália garantir a vida de Battisti, como se fosse
uma Darfur (Sudão). Assustou até o
Parlamento Europeu, que, na quinta,
avisou que todos os Estados-membros respeitam os direitos dos presos.
Um dos grupos terroristas direitistas estava instalado no serviço de inteligência da Itália, no Ministério do
Interior, cujo titular da pasta era
Francesco Cossiga. O direitista Cossiga é o mesmo citado pelo ministro
Genro para concluir que os quatro assassinatos perpetrados por Battisti
foram crimes políticos.
Nas democracias, delitos de sangue
são tipificados como crimes comuns.
No Brasil, ninguém pode matar Lula
por discordância ideológica e, sendo
preso em outro país, alegar crime político para evitar a extradição.
Ao tempo de Battisti, a Itália era governada por uma coalizão de centro-esquerda e, nos anos 70, celebrou-se o
"compromisso histórico" pela democracia. Essa é a história ignorada por
Genro, que classificou aquele governo
como ultradireitista.
É uma história em aberto e que só
terá a página virada quando findar a
impunidade dos que tentaram derrubar o Estado democrático. Battisti é
um símbolo do terror, como Brilhante Ustra, na ditadura brasileira.
Na prisão, Battisti conheceu extremistas da organização denominada
Proletariados Armados para o Comunismo (PAC). Suas teses de defesa para anular as condenações foram derrubadas até pela rígida Corte Europeia de Direitos Humanos: como Cacciola, foi julgado à revelia por ter fugido depois de citado para o processo.
Teve a extradição concedida pela Justiça francesa e fugiu.
Nos próximos dias, o nosso Supremo Tribunal Federal decidirá a controvérsia estabelecida entre o Estado
italiano e o Executivo brasileiro. A lei
que disciplina a outorga de status de
refugiado estabelece que a concessão
do refúgio impede o exame do mérito
do pedido de extradição.
No entanto, a nossa Constituição
está alicerçada no princípio de que todo conflito de interesses é resolvido
pelo Judiciário. Isso no seu constitucional papel de substituto da vontade
das partes em conflito.
Portanto, a alegada competência
exclusiva do Executivo quanto à conveniência da concessão do refúgio
não impedirá o Judiciário, à luz da Lei
Maior e diante do conflito, de entender pelo prevalecimento do pedido de
extradição.
Um alerta: concedida a extradição,
a palavra final caberá ao presidente
Lula, que, pelo jornal britânico "The
Economist", foi chamado de anacrônico ao dizer que é da tradição brasileira conceder asilo.
Algo de fancaria, a beneficiar ditadores e assassinos em tempos de Tribunal Penal Internacional.
WÁLTER FANGANIELLO MAIEROVITCH , 61, desembargador aposentado, é presidente do Instituto Brasileiro de
Ciências Criminais Giovanni Falcone. Foi secretário nacional Antidrogas da Presidência da República (1999-2000).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Luiz Paulo Teles F. Barreto: "Battisti", apenas um caso Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|