São Paulo, domingo, 07 de fevereiro de 2010

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Terra de gigantes

Conflitos entre EUA e China se avolumam e devem ser cada vez mais frequentes, mas não a ponto de se radicalizarem

AINDA não se passaram 12 meses desde a viagem inaugural de Hillary Clinton, como secretária de Estado dos EUA, à China. Noticiava-se então a guinada "realista" da política externa norte-americana, sob Barack Obama. Nada de lições sobre valores e direitos universais; todo cuidado para não ofender Pequim em temas sensíveis, como Tibete ou liberdade de imprensa.
Diplomatas chineses comemoraram a visita de Clinton e consideraram que a época das reprimendas americanas havia chegado ao fim. Menos de um ano depois, a mesma secretária de Estado ataca publicamente os limites impostos pela China à liberdade de opinião na internet, e Obama receberá o dalai-lama, líder separatista tibetano, na Casa Branca.
Não menos significativo, os EUA anunciam a venda de helicópteros, baterias antimísseis e navios a Taiwan, ilha considerada pela China como uma Província rebelde, embora tenha governo autônomo há 60 anos.
As razões imediatas da mudança dizem respeito à política interna norte-americana. Obama tem se enfraquecido numa velocidade impressionante. A resistência ideológica dos conservadores se galvanizou no período de discussão da reforma do sistema de saúde proposta pelo presidente -e conseguiu sua primeira grande vitória ao eleger um republicano para a vaga aberta no Senado depois da morte do lendário democrata Ted Kennedy.
Uma das principais pechas associadas à imagem de Obama, por essa oposição revigorada, é a de ser um presidente fraco. Não à toa, sua inclinação por uma estratégia mais multilateral tem sido apresentada como sinal de debilidade.
Não deixou de ser uma oportunidade para o democrata, portanto, a denúncia da ferramenta de buscas Google de que hackers, provavelmente ligados ao governo chinês, haviam tentado violar e-mails de dissidentes políticos geridos pela empresa. Ato contínuo, os americanos subiram o tom do discurso público contra a China. O endurecimento retórico estendeu-se ao campo econômico numa renovada referência ao artificialismo da política cambial chinesa.
A China avança econômica, militar e politicamente, representando a única ameaça real à incontestável hegemonia dos EUA desde o colapso soviético.
Confrontos de interesse crescentes serão inevitáveis, entre os dois gigantes, no futuro. Provavelmente nada que se compare à lógica bipolar da Guerra Fria. Enquanto os EUA e a URSS capitaneavam mundos políticos, ideológicos e comerciais quase estanques, chineses e americanos são interdependentes na economia -e o regime vigente na China é capitalismo de Estado sob retórica comunista. Nenhum dos dois, além disso, pode abrir mão da interlocução e do comércio com um grupo crescente de países, o que contribui para o equilíbrio político internacional.
É de esperar, portanto, que as contendas aconteçam, mas não se radicalizem -e que sejam, ao menos em parte, dirimidas no âmbito do debate multilateral.


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