São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999

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O Brasil é maior que a crise


O momento exige pulso firme das autoridades. O país não pode ser abandonado à chamada "lógica do mercado"


PAULO MALUF

A sociedade brasileira vive hoje momentos de apreensão. A crise financeira, com suas consequências perversas, como as elevadas taxas de desemprego, vem trazendo intranquilidade às famílias e disseminando a descrença no futuro. O cidadão comum, desconhecedor dos meandros da economia e das finanças e dos mecanismos de atuação dos agentes econômicos públicos e privados, sente-se desamparado e inerte, incapaz de acreditar na recuperação do país e na superação da crise.
Por maiores que sejam os problemas -e são grandes-, o Brasil é maior que a crise e tem condições de superá-la. Durante a sua história, o país já enfrentou e venceu crises iguais ou maiores. Para tanto, contou sempre com o destemor de seu povo, que garantiu a execução das medidas necessárias à volta à normalidade.
A crise atual foi produzida pelo esgotamento da política econômica do governo federal. Ela venceu a inflação e foi capaz de manter a estabilidade econômica durante largo tempo não com incentivos à produção local, geradora de empregos, mas com a importação desenfreada de produtos e de poupança externa, que gerou déficits insuportáveis na balança comercial e na de contas correntes. A valorização artificial do real em face do dólar, âncora do Plano Real, foi muitas vezes condenada por economistas responsáveis. Mas prevaleceu a prioridade política (e não a econômica), com consequências conhecidas por todos.
Nunca é demais lembrar: também contribuíram muito para deteriorar o organismo vulnerável de nossa economia os juros elevados, cujos objetivos foram, de maneira cruel, a manutenção artificial de nossas reservas.
O momento exige determinação e pulso firme das autoridades responsáveis pela área econômica. O país não pode ser abandonado à chamada "lógica do mercado". A política econômica é de responsabilidade dos governantes, não de empresas e organismos nacionais e internacionais.
O Brasil vai dar certo, e a sociedade não aceita outra alternativa. Muito menos soluções casuísticas que apressados e oportunistas vêm propondo, ignorando ou fingindo ignorar que em 1998 foram realizadas no Brasil eleições nas quais a população manifestou sua opinião, que precisa e deve ser respeitada.
As autoridades devem impor medidas que permitam a imediata queda dos juros. O ajuste das contas públicas torna-se inadiável e urgente. Tudo isso produzirá efeitos aparentemente difíceis de a sociedade enfrentar e até compreender num primeiro momento, mas não existe outra maneira de forçar a queda dos juros. E, sem reduzir os juros, não será possível retomar o desenvolvimento econômico e a luta contra a exclusão social, a face mais dramática da crise brasileira.
O governo precisa, com a maior urgência, incentivar as áreas econômicas que precisam adquirir competitividade no mercado internacional. A globalização escancarou o mercado nacional sem que fosse exigida reciprocidade das nações desenvolvidas. O protecionismo ainda existe nos mercados norte-americano, europeu e asiático.
Esse apoio deve se estender também às pequenas e médias empresas, notadamente nos setores agroindustriais. Elas são responsáveis pela maior parte do mercado de trabalho e podem ter um papel importante no incremento às exportações, por meio da criação de consórcios exportadores.
Com um real ultravalorizado, o Brasil gerou empregos -mas na China, no Japão, na Coréia, na Europa, na Argentina, nos EUA. A função do governo brasileiro, entretanto, é gerá-los no Brasil. E tenho certeza de que, com a moeda a preço de mercado, vamos fazer isso, ampliando as exportações.
Não é hora de ressentimento. É hora de trabalho; só o trabalho constrói. Confio no espírito cívico do país.
Toda crise encerra uma lição. Vamos tirar desta os ensinamentos para que, no futuro, não se repita. O Brasil já passou por muitas crises; passará por mais esta. Nada intimida a vontade de trabalhar do povo brasileiro.



Paulo Salim Maluf, 67, é engenheiro civil formado pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Foi deputado federal pelo PDS-SP (1983 a 86), prefeito de São Paulo (1969 a 71 e 1993 a 96) e governador do Estado de São Paulo (1979 a 82).




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