São Paulo, domingo, 7 de fevereiro de 1999

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O caminho da oposição


Toda ação econômica deve estar subordinada à responsabilidade de dar condições mínimas de vida aos brasileiros


JOÃO ALBERTO CAPIBERIBE

O grande problema do Brasil hoje é como sair efetivamente da crise. Não se trata apenas de encontrar as medidas que detenham a evasão do dólar e a desvalorização desmesurada do real. Isso nos tiraria do sufoco imediato, mas nos deixaria frágeis, passíveis de sofrer outra crise financeira de igual ou superior monta, com consequências socialmente perversas e já conhecidas.
Temos de encontrar uma real saída, que nos fortaleça e nos dê instrumentos para enfrentar a instabilidade inata do mercado financeiro internacional. Este, na verdade, tende, mais do que ao equilíbrio, à sua própria destruição -e, consequentemente, à nossa.
Não é a primeira vez que conhecemos um capitalismo global. Já o vimos no século passado, sob hegemonia britânica, e seus resultados foram duas guerras mundiais, intermediadas pela crise de 1929 e pela vitória do nazismo na Alemanha. Podemos hoje estar no mesmo rumo. Nesse caso, cresce a nossa responsabilidade de encontrar uma saída que seja benéfica para o Brasil.
No passado, aproveitamos a recessão econômica mundial para lançar as bases de nossa industrialização. Nenhum país do mundo cresceu tanto quanto o Brasil entre 1900 e 1980 -nem mesmo o Japão. Mas combater e eliminar a crise atual, de forma consistente, implica adotar mudanças de mentalidade, de política e de estruturas.
É necessário acabar com o presidencialismo imperial e o comando prepotente (na verdade, um pleonasmo) da tecnocracia. Não podemos entregar o destino de 150 milhões de brasileiros a tecnocratas doutrinários, que se interessam mais em comprovar a "verdade" de suas teses do que em propiciar o bem-estar da população. Eles são cidadãos comuns que estudaram e adquiriram um enorme defeito: julgam ser detentores exclusivos da verdade, como os stalinistas dos anos 40. Não têm compromissos sociais, não disputam eleições e, ultimamente, não têm nem mesmo compromissos nacionais.
O dever de conduzir os destinos da nação está nas mãos dos que são eleitos pelo povo, revestidos da responsabilidade pública e do compromisso social; os representantes legítimos da soberania popular. Em primeiro lugar, naturalmente, o presidente da República, mas também o Congresso Nacional, os governadores, os prefeitos e o restante do Legislativo em todo o país. Aos políticos cabem as decisões e as responsabilidades, mas em cooperação, sobretudo em momentos de crise -o que não significa ausência de oposição.
O presidente não pode, à semelhança dos tecnocratas, assumir uma postura imperial. A arte da política encontra-se na negociação, no confronto de idéias, no debate. Essa é a forma que a democracia moderna criou para resolver os seus conflitos, evitando que os divergentes sejam excluídos, como em sociedades pretéritas, nas quais ou imperava o consenso ou a separação. A arte política da negociação é a garantia de nossa integridade territorial e nacional.
Mas também não pode o presidente assumir uma posição de passividade. Ao Estado cabe definir as regras do funcionamento do mercado; aos agentes do mercado, cumpri-las. A inversão de papéis é a responsável maior pela situação atual.
A saída consistente da crise passa, fundamentalmente, pela política e pelos políticos, aos quais deverão estar subordinadas as decisões técnicas. E essa política, a ser construída coletivamente, pelo confronto de idéias, implica a reafirmação do pacto federativo e mudanças radicais nas prioridades governamentais. Não comporta a retaliação e a perseguição aos que fazem oposição ao primeiro mandatário, como tem ocorrido com o meu Estado, entre outros. A nação é uma só.
O bem-estar da população brasileira, bem como a integridade nacional e a garantia da democracia, devem ser as prioridades orientadoras de uma real política de enfrentamento da crise. Toda ação econômica deve estar subordinada à responsabilidade pública de fornecer condições mínimas de vida a todos os brasileiros: acesso à alimentação, à moradia, à saúde, à educação, à segurança e à Justiça. As contas públicas, o câmbio, os tributos e os acordos internacionais são apenas meios. Não podem ser os objetivos do país.
De que adianta "sanar" a crise e continuar a depender dos especuladores e agiotas internacionais, a drenar para o exterior nossas poupanças e a manter o povo na fome, no desemprego e sem serviços públicos essenciais aos cidadãos? Esse é o caminho da irresponsabilidade pública, que compromete a construção democrática e ameaça destruir o país. Tenho certeza de que esse não é o caminho da oposição.



João Alberto Capiberibe, 48, zootécnico, é governador do Estado do Amapá pelo PSB. Foi prefeito de Macapá (88 a 92) e secretário da Agricultura do Estado (85 a 87).




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