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Olho aberto, olho gordo
JOSÉ SARNEY
A criação de um mercado comum no
Cone Sul partiu de uma decisão política de acabar com as divergências entre
Brasil e Argentina, nos moldes do que
aconteceu na Europa, há mais de 40
anos, com o Tratado Franco-Germânico que pôs fim a uma confrontação secular entre França e Alemanha.
O modelo que Alfonsin e eu tínhamos em mente era o Mercado Comum
Europeu. Para nós, não bastava a existência de uma zona de livre comércio.
Era necessária uma ação muito mais
profunda: a integração latino-americana.
Integração física, política, econômica, cultural, a ser institucionalizada
por meio de organismos multilaterais,
com representação dos países envolvidos, e constituídos por representantes
detentores de mandatos outorgados
pela sociedade, quer por meio dos Parlamentos, quer dos Poderes Executivos.
Só assim seria possível que o Mercado Comum se consolidasse, pois não
seria obra de governos, mas do povo.
Essa tarefa não pode ficar somente
nas costas da política externa, operada
pela diplomacia, por mais competente
que seja. É necessário que haja um envolvimento profundo da sociedade civil.
Tem que ser amplo, para ser forte e
duradouro, e não ficar à mercê da conjuntura e do ângulo econômicos. Gostávamos de dizer que tínhamos de caminhar com passos seguros, fora da
retórica, para não haver recuos. Crescer juntos era e é o nosso lema.
Hoje, o Mercosul é uma realidade sólida e poderosa. Um grande político
uruguaio disse, com muita propriedade, tratar-se do fato mais importante
do continente, depois de nossas independências. Agora, convém defendê-lo
e consolidá-lo.
As declarações restritivas que estão
surgindo, as tentativas de criar cisões
entre nossos países, a pressão para
abrirmos nossos mercados, de modo a
propiciar a invasão dos mais fortes e
evitar a nossa preparação para competir, fazem parte de um jogo sobre o
qual não podemos ter a ingenuidade
de pensar tratar-se somente da ``filosofia da globalização''.
A Zona de Livre Comércio das Américas, do Alasca à Patagônia, anunciada para o ano 2004, deve encontrar o
Mercosul consolidado, enquanto mercado comum, ampliado a toda a América do Sul, para que não sejamos apenas incorporados à economia americana.
Por isso é preciso estar atento para
essas manifestações contra o Mercosul
que somente têm o objetivo de colocar
pedras em nosso caminho.
Foram boas as declarações do presidente Fernando Henrique Cardoso,
em Londres, contra a pressão que se
está fazendo para obrigar uma abertura selvagem, enquanto os países ricos
mantêm suas barreiras protecionistas.
Temos de defender nossos interesses,
exigir reciprocidade, estender nossa
capacidade de negociação à Europa e
Ásia, e não ficarmos satelitizados.
É hora de olho aberto, para evitar o
``olho gordo'' em cima do Mercosul.
Mais uma vez lembremo-nos de Camões: ``Não louvarei o capitão que diga não cuidei''.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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