São Paulo, terça-feira, 07 de março de 2000


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O primeiro Carnaval

CARLOS HEITOR CONY

Rio de Janeiro - Saí do seminário no final do ano, pouco depois veio o Carnaval, o primeiro que me encontrou mais ou menos adulto no mundo.
Nos outros, era criança, minha festa se limitava a vestir uma fantasia de chinês, eu reclamava, até que encarnei num morcego, camisola negra, máscara de papelão cheirando a cola -meu Carnaval era assustar meninos mais moços e ser assustado com as caveiras, que até hoje ainda me assustam.
Houve a trégua do seminário e de repente me vi no primeiro Carnaval que seria para valer. Valer o quê? Não tinha namorada nem sabia namorar. Sabia latim, as odes de Horácio, as bucólicas de Virgílio, mas não sabia cantar nenhuma música do ano.
Fui parar no High Life, os bailes de lá eram os mais incrementados. Falavam em orgias, mulheres nuas, casais copulando nos jardins, coisas assim.
Fiquei pelos cantos, metido num marinheiro americano que fora do meu irmão. Era moda exaltar a Marinha, que havia ganho a guerra do Pacífico, o irmão tentou me ensinar a cantar o "Anchors aweigh", que até hoje não aprendi.
De repente, alguém me puxou pela mão. Não vi direito, mas a moça parecia ser loura, de olhos verdes que a máscara verde mal tapava. Estava queimadíssima de praia.
Ela compreendeu que eu estava sobrando na festa. Só não sabia que eu estava sobrando na vida. Percebi que zombava de mim, empurrou-me para um cordão, onde eu não precisava fazer nada. Era só ficar grudado no corpo dela e imprensado por uma havaiana de coxas fartas, que suava e tinha o umbigo tapado por purpurina prateada.
Espremido entre duas mulheres, eu tinha motivos para me rejubilar. Meses atrás, eu vestia uma batina e cheirava a incenso. Agora estava inundado de carnes macias que cheiravam a lança-perfume. Quis ficar alegre. Mas nunca me senti tão triste.


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