São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Complicações à vista

A guerra comercial avança. A União Européia acaba de atacar a mais poderosa nação do mundo -os Estados Unidos-, elevando a atual taxação dos produtos americanos em 5%. E é só o começo. A sobretaxa aumentará 1% ao mês, até chegar à espantosa cifra de 17%! As sanções aplicadas estão estimadas em mais de US$ 300 milhões em 2004 e em quase US$ 700 milhões em 2005.
Os motivos alegados ligam-se a sentença da OMC (Organização Mundial do Comércio), proferida em 2003, que considerou o sistema americano de vendas ao exterior (Foreign Sales Corporations) como uma forma dissimulada de subsídio. Mas não se deve descartar, no contexto europeu, os desastres decorrentes da desvalorização do dólar (e valorização do euro), que tornou os produtos americanos verdadeiras pechinchas, roubando mercado das empresas e destruindo empregos no Velho Continente.
O fato é que a retaliação foi instalada -e de maneira truculenta. O Congresso dos Estados Unidos deveria ter respeitado a sentença da OMC e aprovado até 1º de março de 2004 uma lei pondo fim ao condenado sistema. Os parlamentares não agiram a tempo e, provavelmente, nada farão em um ano eleitoral. Afinal, grande parte dos lucros das empresas e dos empregos americanos está sendo sustentada pela enorme enxurrada de exportações para a União Européia.
Vejam quantos fatores entram naquilo que deveria ser uma operação lisa, transparente e respeitosa. John Maynard Keynes, em 1933, escreveu que os povos de cultura anglo-saxônica, secularmente educados nos princípios da liberdade, "respeitam o livre comércio não apenas como uma doutrina econômica, mas como parte integrante das leis morais".
Pobre Keynes. Passados 70 anos, do lugar onde está o grande economista inglês deve estar desapontado ao verificar que sua pregação não passou nem perto daquilo que os seres humanos vêm praticando em nome da liberdade. A moral passou longe do comércio internacional. O que há é uma guerra que mistura política, economia e pilhagem (legal e ilegal) de recursos estratégicos (água, petróleo e outras formas de energia).
O mais irônico é ver que essa mesma gente, que trombeteia tanto em nome do livre comércio, aplica as mais deslavadas medidas de proteção contra os mais fracos, inclusive o Brasil. Se os países mais ricos, com toda a força que têm, não desistem de retaliar uns aos outros, o que faremos nós para aliviar o protecionismo que fere as nossas exportações?
Convenhamos, nossa força de retaliar é pequena, mesmo quando unida à de outros blocos econômicos. Só nos resta, portanto, trabalhar duro nos inúmeros entraves internos, em especial a devastada infra-estrutura (estradas, ferrovias, portos, armazenagem etc.), a terrível burocracia dos negócios e a insustentável escalada dos impostos -que, no fundo, encarecem nossa produção e exportação.


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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