São Paulo, domingo, 07 de março de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O triunfo da hipocrisia

RIO DE JANEIRO - O fechamento dos bingos pelo governo federal é uma obra-prima da hipocrisia, da cara-de-pau de toda a classe política. Serviu para impedir uma CPI sobre o escândalo criado por um assessor do Zé Dirceu e, neste particular, mais uma vez o governo e o PT cuspiram na própria imagem e pagarão, cedo ou tarde, o preço à transgressão de suas promessas e ideais.
Alegar que o governo, ao fechar os bingos, fechou o escândalo é um argumento pueril, ridículo, no qual ninguém realmente acredita. Impediram a CPI, arma que o PT tanto brandiu no passado e que no caso Waldomiro talvez fosse exagerada, pois a finalidade da investigação seria incriminar Zé Dirceu, que ninguém acredita estar envolvido seriamente no caso, pagando pelo único pecado de ter em sua equipe um assessor que, como muitos outros do poder público, era chegado a comissões e bandalheiras outras.
Fechar os bingos não moraliza porra nenhuma. No setor dos jogos, que continuam proibidos oficialmente, há dezenas de modalidades até oficiais, como as loterias federais e estaduais, as corridas de cavalo, o bicho e outros atalhos daquilo que vulgarmente constitui a "jogatina", berço de grande parte da corrupção instalada na vida pública.
O pior é que quase todos fingiram acreditar que os bingos eram responsáveis pelos Waldomiros que freqüentam as ante-salas do poder. O caso das teles, no governo passado, que foi muito mais grave e prejudicial ao país, ficou limitado à demissão de dois funcionários do primeiro escalão.
No caso Waldomiro, a escala foi bem menor. Mesmo assim, uma CPI talvez fosse exagerada para apurar um episódio isolado de uma corrupção genericamente distribuída nos vários segmentos do governo e da sociedade. Mas fechar os bingos, como causa principal de um tipo de corrupção, equivale ao sovado exemplo do sofá retirado da sala. Não impedirá outros adultérios.



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