São Paulo, Domingo, 07 de Março de 1999
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LIXO MUNICIPAL

O descrédito dos governantes municipais junto à população paulistana atingiu intensidade rara na história da cidade. Pesquisa Datafolha divulgada quinta-feira por este jornal traduz em números a sensação, hoje disseminada pelas ruas, de que São Paulo chafurda num mar de lama patrocinado por algumas de suas mais altas autoridades públicas.
Nada menos que 86% dos entrevistados acreditam que muitos vereadores estejam envolvidos na rede de corrupção armada em torno das administrações regionais. É grave, porém, que ao mesmo tempo 72% dos paulistanos não se lembrem em quem votaram nas eleições para a Câmara Municipal em 96. O cidadão demonstra pela política local, justamente aquela que em tese mais diretamente afeta o seu cotidiano, um desinteresse que acaba por facilitar a formação de quadrilhas como as que hoje são objeto de investigação pelo Ministério Público e pela CPI instaurada a muito custo na Câmara.
A atitude omissa do eleitor no entanto não explica nem, muito menos, justifica o grau de deterioração política a que chegou a gestão atual -fato que se reflete na avaliação que os paulistanos fazem da administração Celso Pitta, considerada ruim/péssima por 63% dos entrevistados, contra apenas 9% que a consideram ótima/boa.
Reportagem publicada hoje por esta Folha sobre cooperativas que promovem loteamentos clandestinos em São Paulo é mais um forte indício de que a máfia da corrupção atravessa de alto a baixo a administração municipal e chega até a Assembléia Legislativa do Estado. Num mesmo negócio, há supostos pagamentos de propinas para o deputado Conte Lopes (PPB), para dois assessores do vereador Cosme Lopes (líder do PPB na Câmara), para uma delegacia seccional, para o Depatri (ironicamente o departamento da Polícia Civil que investiga crimes contra o patrimônio), para um soldado da Polícia Florestal e para um funcionário da administração regional Jaçanã-Tremembé. Difícil encontrar exemplo mais elucidativo de como supostamente opera essa máfia informal que achaca o cidadão e dilapida a cidade.
Uma das causas do atual descalabro administrativo é evidentemente o loteamento das regionais promovido por Pitta entre vereadores que o apóiam. A cidade foi como que feudalizada para atender a interesses privados de grupos incrustados na administração pública.
Hoje, passados pouco mais de dois anos do mandato de Pitta, a sensação é de que houve uma espécie de institucionalização do gangsterismo na maior cidade do país. Mesmo conhecendo-se as dificuldades de que as investigações, sobretudo na Câmara, cheguem às últimas consequências, essa é uma chance, talvez única, que a cidade tem para começar a banir de vez uma herança política que já lhe custou caro demais.


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