São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002

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DA LENIÊNCIA

A notícia sobre uma suposta cobrança de propina na privatização da Vale do Rio Doce, publicada na revista "Veja", faz ressurgir uma marca ruim da Presidência de Fernando Henrique Cardoso. Sempre a pretexto de garantir a governabilidade, FHC fez concessões excessivas, deixando passar incólumes indícios de desmandos em seu governo. Aos gestos em favor do esclarecimento das suspeitas, o presidente muitas vezes preferiu negociar o "enterro" de escândalos. Mas as feridas mal cicatrizadas por esse modo de fazer política não cessam de reaparecer de tempos em tempos. É o caso agora, com potencial de repercussão negativa para a candidatura situacionista.
O núcleo do governismo se defende argumentando que há um complô para desestabilizar a candidatura presidencial do senador José Serra. O uso dessa tática por políticos acusados de irregularidades é recorrente. Recentemente, dela se valeu, sob pesadas críticas dos tucanos, o grupo de Roseana Sarney no episódio Lunus. Se há conspiração contra Serra, um observador isento diria que ela não existiria sem a contribuição ativa de dois correligionários do pré-candidato do PSDB.
Sem a participação do ministro da Educação, Paulo Renato Souza, e do ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros, a notícia que liberou do armário da privatização mais um "esqueleto" não teria sustentação. Eles confirmaram ter ouvido a história de que Ricardo Sérgio de Oliveira, diretor do Banco do Brasil à época da venda da Vale, teria cobrado do empresário Benjamin Steinbruch uma propina de R$ 15 milhões para montar o consórcio que arrematou a mineradora.
Outra nota preocupante do episódio é a informação, confirmada por Paulo Renato e por Mendonça de Barros, de que o presidente Fernando Henrique Cardoso soube da suposta cobrança de propina ainda em 1998. Ao que consta, nenhuma providência foi tomada por parte do Executivo a fim de esclarecer o assunto. Ricardo Sérgio de Oliveira permaneceu no seu estratégico cargo no Banco do Brasil.
Oliveira só perdeu o posto -em companhia de Mendonça de Barros e do ex-presidente do BNDES André Lara Resende- quando vieram a público, ilegalmente gravadas, conversas telefônicas entre altas autoridades federais que denotavam manobras de bastidores com o intuito de interferir na formação de consórcios para o leilão da Telebrás.
Carentes do devido controle público e da devida transparência, muitas etapas da venda de grandes empresas ao setor privado se passaram no subsolo do poder. Esse terreno é propício às chantagens, à corrupção, aos "grampos" ilegais e a outros golpes baixos -tudo à custa do contribuinte. E esse terreno é sobejamente cultivado pelos compromissos que os candidatos firmam em suas campanhas em troca de financiamento comumente irregular.
O déficit de prestação de contas por parte do poder público só se corrige com pressão social. Ministério Público atuante, sociedade civil atenta e jornalismo independente são fundamentais para que as instituições e os políticos atuem com lisura. A suspeita de cobrança de propina na privatização da Vale é grave e não pode tornar-se mais uma a constar da lista de escândalos do governo FHC varridos para baixo do tapete.


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