São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002

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ALÍVIO FRANCÊS

Foi com alívio que a maioria dos franceses recebeu a notícia de que o presidente Jacques Chirac derrotou o líder da extrema direita Jean-Marie Le Pen no segundo turno das eleições presidenciais. A vitória foi esmagadora e não deixa margem a dúvidas: Chirac, 82%; Le Pen, 18%.
Não parece exagero afirmar que o pleito se transformou num referendo, em que os franceses reafirmaram seu compromisso com os valores republicanos. No dia 5 de maio, a França deu um claro "não" à segregação e ao isolacionismo propugnados por Le Pen e disse "sim" à União Européia e ao sistema democrático.
Se a derrota de Le Pen representa uma boa notícia em termos institucionais, o resultado do pleito está longe de resolver as dificuldades políticas em que a França se enredou.
O presidente Jacques Chirac está na situação mais insólita de que se tem notícia na história da França republicana. Assolado por denúncias de corrupção, Chirac obteve, no primeiro turno, 19,88% dos votos, o pior desempenho desde 1958 para um presidente que disputava a reeleição. No segundo turno, porém, com o apoio maciço da esquerda e, em menor grau, até da extrema esquerda, o conservador Chirac ficou com 82% dos votos, superando com folga o recorde dos 58% de aprovação obtido por Georges Pompidou em 1969.
Apesar da vitória esmagadora, Chirac é refém de seu próprio sucesso. Ele não foi eleito por seu desempenho ou por sua plataforma, que lograram votação inexpressiva no primeiro escrutínio, mas apenas por ter Le Pen como adversário. A rigor, esquerda e extrema esquerda somadas ficaram com mais votos no primeiro turno (42,9%) do que a direita republicana (33,7%) da qual Chirac é o principal representante.
Esquerda e direita francesas voltam a se enfrentar nas eleições legislativas nos dias 9 e 16 de junho. Apesar da eloquente vitória de Chirac no domingo, não há garantias de que as forças por ele lideradas farão maioria na Assembléia Nacional. Se a esquerda vencer, Chirac, mesmo tendo sido reeleito com 82% dos votos, terá de convidar um opositor para o posto de primeiro-ministro -isto é, passar por mais um período de coabitação, em que fica com a margem de manobra política reduzida.
As próximas semanas serão decisivas. Chirac já demonstrou que pretende caminhar para o centro ao nomear Jean-Pierre Raffarin para o posto de premiê. Partidos de esquerda, por sua vez, estão bastante mobilizados e já começam a falar em unir-se para o pleito legislativo.
Ocorra o que ocorrer, vai crescendo na França a convicção de que o sistema político do país seria beneficiado por uma reforma.
O "não" a Le Pen uniu os franceses, mas apenas circunstancialmente. Aliviada e confusa, a França voltará democraticamente às urnas no mês que vem para definir seu futuro.


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