São Paulo, terça-feira, 07 de maio de 2002

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CLÓVIS ROSSI

O demônio público e privado

SÃO PAULO - À margem dos efeitos eleitorais do mais recente escândalo político tupiniquim, há um aspecto ideológico relevante a ser discutido em relação ao mesmo caso.
A própria revista "Veja", que fez a denúncia da vez, cuida, em editorial, de deixar claro que, embora o escândalo se refira a uma privatização, não se podem colocar em dúvida as benesses incomensuráveis das privatizações em geral.
Também acho que o Estado não deve nem produzir nem vender aço. Mas daí a aceitar que se privatize a produção e a venda de aço em meio a trambiques de grosso calibre vai uma imensa distância, que nem a lei nem o bom senso aconselham percorrer.
Se alguém cobra 15 milhões de propina (seja a moeda o real ou o dólar), é porque fez algo sujo que beneficiou alguém, que, por isso mesmo, é convidado a pagar pela benesse.
Se o presidente da República e dois ministros de Estado são informados da sujeira e nada fazem, em qualquer país civilizado haveria um baita escândalo. No Brasil, há, no máximo, panos quentes.
Parece que houve uma conspiração destinada não apenas a preservar reputações mas também a preservar o próprio conceito de privatização, como se fosse razoável reestatizar a Vale porque o processo de privatização teve manchas (manchas igualmente presentes no caso das teles, com atores parecidos).
Não é esse o ponto. O ponto é que a ideologia dominante demonizou de tal modo o Estado que ficou parecendo aos incautos que só há corrupção no setor público. Não é assim. Primeiro, porque para cada agente público corrompido há, em geral, um corruptor do setor privado. Segundo, porque a corrupção no setor privado (vide caso Enron) não é desprezível.
Não se trata, pois, de reestatizar a Vale, mas de ter claro que maracutaias não fazem distinção entre o público e o privado.


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