|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CLÓVIS ROSSI
O demônio público e privado
SÃO PAULO - À margem dos efeitos eleitorais do mais recente escândalo
político tupiniquim, há um aspecto
ideológico relevante a ser discutido
em relação ao mesmo caso.
A própria revista "Veja", que fez a
denúncia da vez, cuida, em editorial,
de deixar claro que, embora o escândalo se refira a uma privatização,
não se podem colocar em dúvida as
benesses incomensuráveis das privatizações em geral.
Também acho que o Estado não deve nem produzir nem vender aço.
Mas daí a aceitar que se privatize a
produção e a venda de aço em meio a
trambiques de grosso calibre vai uma
imensa distância, que nem a lei nem
o bom senso aconselham percorrer.
Se alguém cobra 15 milhões de propina (seja a moeda o real ou o dólar),
é porque fez algo sujo que beneficiou
alguém, que, por isso mesmo, é convidado a pagar pela benesse.
Se o presidente da República e dois
ministros de Estado são informados
da sujeira e nada fazem, em qualquer país civilizado haveria um baita
escândalo. No Brasil, há, no máximo,
panos quentes.
Parece que houve uma conspiração
destinada não apenas a preservar reputações mas também a preservar o
próprio conceito de privatização, como se fosse razoável reestatizar a Vale porque o processo de privatização
teve manchas (manchas igualmente
presentes no caso das teles, com atores parecidos).
Não é esse o ponto. O ponto é que a
ideologia dominante demonizou de
tal modo o Estado que ficou parecendo aos incautos que só há corrupção
no setor público. Não é assim. Primeiro, porque para cada agente público
corrompido há, em geral, um corruptor do setor privado. Segundo, porque
a corrupção no setor privado (vide
caso Enron) não é desprezível.
Não se trata, pois, de reestatizar a
Vale, mas de ter claro que maracutaias não fazem distinção entre o público e o privado.
Texto Anterior: Editoriais: ALÍVIO FRANCÊS Próximo Texto: Brasília - Valdo Cruz: Quem é a vítima? Índice
|