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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O Brasil e os
Estados Unidos
Quando o Brasil deixou de ter
política exterior, ficou, no lugar
dela, com a prática das negociações
comerciais e com o medo dos Estados
Unidos. Combinação desastrosa. O
que convém não é medo: é estratégia
de reposicionamento no mundo, que
exprima e consolide projeto nacional
de desenvolvimento.
A situação dos entendimentos em
torno da Alca revela o paradoxo. Enquanto continuarmos a conduzir nossa relação com os Estados Unidos
dentro dos limites de um mercantilismo pontual e despolitizado, todas as
soluções serão ruins. Ruim render-nos ao tipo de acordo prefigurado pelas restrições que o Congresso americano impôs às negociações. E ruim ficarmos sozinhos, abraçados a vizinhos que não nos acompanharão numa fuga ao isolamento sul-americano.
A insistência em negociar duramente não bastará para resolver o problema; Estados não são empresas. A solução está em ação política e diplomática que, fundada em novo projeto brasileiro, comece a mudar as premissas
da nossa relação com os Estados Unidos.
Primeiro: buscar aliados dentro dos
Estados Unidos que ajudem a reorientar a agenda americana com respeito à
Alca e ao Brasil. Maior abertura às
nossas exportações depende de acertos com as empresas numerosas e
com os muitos Estados americanos
que exportam ou querem exportar
para nós. Ou que possam colaborar
para nossa capacitação tecnológica.
Sem tais alianças não derrubaremos
barreiras a nossas exportações nem
aproveitaremos o potencial do relacionamento com a economia americana.
Segundo: trazer à tona a empatia
imensa e suprimida que os americanos nutrem pelo Brasil. Entre esses
dois países tão diferentes e tão parecidos, em que a fé no possível esbarra na
muralha da desigualdade, há base para parceria que ultrapasse a esfera dos
governos e os interesses do dinheiro.
Que engaje a sociedade americana em
nosso trabalho de redenção social. E
que insista, como na União Européia,
em vincular mais comércio com
maior igualdade. Não podemos calar
a voz do egoísmo comercial. Não precisamos deixar que ela fale sozinha.
Terceiro: compreender que só seremos levados a sério pelos Estados
Unidos quando começarmos a atuar
seriamente no mundo. A lógica da
nossa situação nos exige aproximação
econômica, tecnológica e política com
os outros grandes países continentais
periféricos, sobretudo a China, a Índia
e a Rússia. É o Brasil hoje o país com
melhores condições para construir cadeia de entendimentos que una esses
países. Que crie contrapeso ao unilateralismo americano. E que amplie
oportunidades para trajetórias alternativas de desenvolvimento.
O êxito do pequeno comercialismo
depende da sorte da grande política:
não realizaremos o primeiro desses
três conjuntos de objetivos sem avançar também nos outros dois. Entre o
segundo e o terceiro, porém, há tensão. Ao atuar como catalisadores de
uma aproximação entre os países continentais em desenvolvimento, criando contrapeso ao poderio dos Estados
Unidos, nós nos arriscamos a amedrontar o governo americano e a afastar a sociedade americana.
Daí a delicadeza dessa empreitada,
inseparável de nossa afirmação nacional. E digna, pela multiplicidade de
seus elementos e pela vastidão do terreno em que se terá de desdobrar, de
um Bismarck. Na relação com os Estados Unidos, somos, de longe, os mais
fracos. Teremos de ser, de longe, os
mais clarividentes.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.idj.org.br
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