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TENDÊNCIAS/DEBATES
EUA e Brasil: começar pela energia
Juntos, o Brasil e os EUA poderiam empreender uma ação internacional conjunta para globalizar a utilização do etanol
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RICHARD G. LUGAR E ROBERTO ABDENUR
Os Estados Unidos e o Brasil têm
muito em comum: compartilham
o mesmo continente, o compromisso
com a promoção da democracia e dos
direitos humanos e o vigor proveniente
do fato de serem ambas sociedades
multiétnicas.
Aqueles que, como nós, desejam há
muito tempo que esses dois importantes países das Américas estabeleçam
uma parceria efetiva viram recentemente sinais encorajadores neste sentido. Por exemplo, o Brasil enviou tropas
ao Haiti, onde tem liderado a força de
estabilização das Nações Unidas. Os
dois países possuem um relacionamento econômico sólido: os EUA são o
maior mercado de exportação para o
Brasil e também a maior fonte de investimentos estrangeiros diretos no Brasil;
depois do México, o Brasil é de longe o
parceiro econômico mais importante
dos EUA na América Latina. Em novembro do ano passado, por ocasião da
visita do presidente Bush a Brasília, os
dois governos comprometeram-se a
elevar substancialmente, até 2010, o volume de seu comércio bilateral, que
atualmente corresponde a cerca de US$
35 bilhões.
Embora esses sejam passos na direção
certa, os dois países precisam acelerar
sua cooperação. O ambiente econômico
e político das Américas vem mudando
rapidamente, criando novos desafios
para os dois países, os quais podemos
enfrentar melhor se trabalharmos conjuntamente. O Brasil tem especial capacidade de influência na região, devido às
dimensões de sua economia, sua população, sua massa territorial e recursos
naturais, assim como à importância dos
laços econômicos, políticos e culturais
que mantém com seus vizinhos.
Brasil e EUA deveriam juntar forças a
fim de contribuir para o desenvolvimento econômico, social e político da
região. Da mesma forma, os esforços
para reduzir as barreiras comerciais nas
Américas, que no passado foram tão
importantes para estimular o crescimento, encontram-se no momento em
compasso de espera, porque os EUA, o
Brasil e o Mercosul possuem diferenças
de posição em relação a questões importantes. A solução dessas diferenças
seria benéfica para os dois países.
Além disso, nossos dois países enfrentam desafios em relação à sua segurança
energética, decorrentes da acentuada e
crescente demanda mundial de energia.
Preços internacionais mais altos, maior
vulnerabilidade a choques na área energética e maior potencial de conflito são
conseqüências que afetarão a todos os
países, não importa se grandes ou pequenos. Em meio a essa nova ameaça na
área energética, temos também a oportunidade de dar a tal desafio resposta
que beneficie igualmente a ambos os
países. A resposta-chave é o etanol, que
o Brasil há muitos anos transformou em
um elemento importante de sua estratégia energética, e que agora proporciona
18% de todo o combustível automotivo
do país, graças à florescente indústria
do etanol derivado da cana-de-açúcar.
Como resultado, o Brasil -que há alguns anos tinha de importar grande
parte do petróleo necessário ao consumo interno- atingiu recentemente a
auto-suficiência em petróleo.
Para sua própria segurança energética, os Estados Unidos -que são de longe o maior importador de petróleo do
mundo- precisam igualmente romper
o quase-monopólio que o petróleo
exerce sobre o setor de transportes, voltando-se para o etanol com o objetivo
de aumentar substancialmente sua participação no suprimento interno de
combustível automotivo. Os EUA, mediante a utilização do milho, produzem
quase o mesmo volume de etanol que o
Brasil, e estão ampliando sua produção
anual em 25%. No entanto, os quatro bilhões de galões que produzem correspondem a uma parcela ainda muito reduzida, se comparada aos 140 bilhões de
galões de gasolina que são consumidos
no país. Utilizando o combustível E-85,
uma mistura de 15% de gasolina e 85%
de etanol, e a facilmente disponível tecnologia bicombustível, para que os automóveis possam ser movidos a E-85, os
EUA poderiam reduzir dramaticamente sua dependência do petróleo. A obtenção da aceitação dos consumidores
estimulará a expansão da produção e da
infra-estrutura do etanol. Isto significa
propagar a disponibilidade do E-85, que
no momento se limita, em grande parte,
à região do Meio-Oeste dos EUA, para
os mercados da Costa Leste e da Costa
Oeste.
Para os EUA, uma solução seria importar mais etanol do Brasil, para misturar com gasolina na Costa Leste, onde
os custos de transportes elevam significativamente o preço do etanol proveniente do Meio-Oeste. Isso, no entanto,
exigiria a medida, politicamente difícil,
de eliminar as tarifas protecionistas que
se aplicam ao etanol brasileiro, as quais
atualmente protegem a indústria norte-americana de etanol. Estrategicamente,
faz sentido, para os EUA, importar etanol, substância benéfica para o meio
ambiente, de um país amigo e confiável
como o Brasil, situado em seu próprio
continente. Aliás, os EUA não impõem
tarifas sobre o petróleo bruto importado, que polui e é em grande parte proveniente de fornecedores instáveis. Os formuladores de política precisariam considerar o impacto que uma tal decisão
teria sobre a indústria norte-americana
de etanol, na qual inovações no processo de produção, mediante a utilização
de biomassa barata e amplamente disponível, indicam a possibilidade de redução de custos e aumento da oferta.
Atualmente, os produtores norte-americanos de etanol obtêm altos rendimentos e encontram-se literalmente
sobrecarregados pela demanda. Para
estes, são muito limitadas as perspectivas imediatas de fornecer grandes volumes de seu produto na Costa Leste dos
EUA. Algumas análises sugerem que o
aumento da oferta estrangeira com o
objetivo de acelerar o consumo do E-85
nos EUA irá criar um "bolo" maior de
etanol, em benefício de todos. O que está claro é que a redução acentuada da tarifa de importação eliminaria, de uma
só vez, uma fonte importante de atrito
entre o Brasil e os EUA, ao mesmo tempo em que reforçaria a segurança energética de ambos os países. Este gesto audacioso de amizade poderia lançar novas e produtivas negociações em matéria de comércio, bem como ampliar a
cooperação em relação a outros temas.
Juntos, o Brasil e os EUA poderiam
empreender uma ação internacional
conjunta para globalizar a produção e
utilização de etanol, inclusive mediante
o compartilhamento de sua tecnologia
com produtores potenciais de etanol
em todo mundo, particularmente nos
países em desenvolvimento. Temos objetivos em comum. Deveríamos começar a ter programas em comum para
poder lográ-los.
Richard G. Lugar, 74, senador republicano pelo
Estado de Indiana, é o presidente da Comissão
de Relações Exteriores do Senado norte-americano; Roberto Abdenur, 64, diplomata, é embaixador do Brasil nos EUA.
Este artigo está sendo publicado simultaneamente na Folha e no "Miami Herald".
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