São Paulo, domingo, 07 de maio de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

EUA e Brasil: começar pela energia


Juntos, o Brasil e os EUA poderiam empreender uma ação internacional conjunta para globalizar a utilização do etanol

RICHARD G. LUGAR E ROBERTO ABDENUR

Os Estados Unidos e o Brasil têm muito em comum: compartilham o mesmo continente, o compromisso com a promoção da democracia e dos direitos humanos e o vigor proveniente do fato de serem ambas sociedades multiétnicas.
Aqueles que, como nós, desejam há muito tempo que esses dois importantes países das Américas estabeleçam uma parceria efetiva viram recentemente sinais encorajadores neste sentido. Por exemplo, o Brasil enviou tropas ao Haiti, onde tem liderado a força de estabilização das Nações Unidas. Os dois países possuem um relacionamento econômico sólido: os EUA são o maior mercado de exportação para o Brasil e também a maior fonte de investimentos estrangeiros diretos no Brasil; depois do México, o Brasil é de longe o parceiro econômico mais importante dos EUA na América Latina. Em novembro do ano passado, por ocasião da visita do presidente Bush a Brasília, os dois governos comprometeram-se a elevar substancialmente, até 2010, o volume de seu comércio bilateral, que atualmente corresponde a cerca de US$ 35 bilhões.
Embora esses sejam passos na direção certa, os dois países precisam acelerar sua cooperação. O ambiente econômico e político das Américas vem mudando rapidamente, criando novos desafios para os dois países, os quais podemos enfrentar melhor se trabalharmos conjuntamente. O Brasil tem especial capacidade de influência na região, devido às dimensões de sua economia, sua população, sua massa territorial e recursos naturais, assim como à importância dos laços econômicos, políticos e culturais que mantém com seus vizinhos.
Brasil e EUA deveriam juntar forças a fim de contribuir para o desenvolvimento econômico, social e político da região. Da mesma forma, os esforços para reduzir as barreiras comerciais nas Américas, que no passado foram tão importantes para estimular o crescimento, encontram-se no momento em compasso de espera, porque os EUA, o Brasil e o Mercosul possuem diferenças de posição em relação a questões importantes. A solução dessas diferenças seria benéfica para os dois países.
Além disso, nossos dois países enfrentam desafios em relação à sua segurança energética, decorrentes da acentuada e crescente demanda mundial de energia. Preços internacionais mais altos, maior vulnerabilidade a choques na área energética e maior potencial de conflito são conseqüências que afetarão a todos os países, não importa se grandes ou pequenos. Em meio a essa nova ameaça na área energética, temos também a oportunidade de dar a tal desafio resposta que beneficie igualmente a ambos os países. A resposta-chave é o etanol, que o Brasil há muitos anos transformou em um elemento importante de sua estratégia energética, e que agora proporciona 18% de todo o combustível automotivo do país, graças à florescente indústria do etanol derivado da cana-de-açúcar. Como resultado, o Brasil -que há alguns anos tinha de importar grande parte do petróleo necessário ao consumo interno- atingiu recentemente a auto-suficiência em petróleo.
Para sua própria segurança energética, os Estados Unidos -que são de longe o maior importador de petróleo do mundo- precisam igualmente romper o quase-monopólio que o petróleo exerce sobre o setor de transportes, voltando-se para o etanol com o objetivo de aumentar substancialmente sua participação no suprimento interno de combustível automotivo. Os EUA, mediante a utilização do milho, produzem quase o mesmo volume de etanol que o Brasil, e estão ampliando sua produção anual em 25%. No entanto, os quatro bilhões de galões que produzem correspondem a uma parcela ainda muito reduzida, se comparada aos 140 bilhões de galões de gasolina que são consumidos no país. Utilizando o combustível E-85, uma mistura de 15% de gasolina e 85% de etanol, e a facilmente disponível tecnologia bicombustível, para que os automóveis possam ser movidos a E-85, os EUA poderiam reduzir dramaticamente sua dependência do petróleo. A obtenção da aceitação dos consumidores estimulará a expansão da produção e da infra-estrutura do etanol. Isto significa propagar a disponibilidade do E-85, que no momento se limita, em grande parte, à região do Meio-Oeste dos EUA, para os mercados da Costa Leste e da Costa Oeste.
Para os EUA, uma solução seria importar mais etanol do Brasil, para misturar com gasolina na Costa Leste, onde os custos de transportes elevam significativamente o preço do etanol proveniente do Meio-Oeste. Isso, no entanto, exigiria a medida, politicamente difícil, de eliminar as tarifas protecionistas que se aplicam ao etanol brasileiro, as quais atualmente protegem a indústria norte-americana de etanol. Estrategicamente, faz sentido, para os EUA, importar etanol, substância benéfica para o meio ambiente, de um país amigo e confiável como o Brasil, situado em seu próprio continente. Aliás, os EUA não impõem tarifas sobre o petróleo bruto importado, que polui e é em grande parte proveniente de fornecedores instáveis. Os formuladores de política precisariam considerar o impacto que uma tal decisão teria sobre a indústria norte-americana de etanol, na qual inovações no processo de produção, mediante a utilização de biomassa barata e amplamente disponível, indicam a possibilidade de redução de custos e aumento da oferta.
Atualmente, os produtores norte-americanos de etanol obtêm altos rendimentos e encontram-se literalmente sobrecarregados pela demanda. Para estes, são muito limitadas as perspectivas imediatas de fornecer grandes volumes de seu produto na Costa Leste dos EUA. Algumas análises sugerem que o aumento da oferta estrangeira com o objetivo de acelerar o consumo do E-85 nos EUA irá criar um "bolo" maior de etanol, em benefício de todos. O que está claro é que a redução acentuada da tarifa de importação eliminaria, de uma só vez, uma fonte importante de atrito entre o Brasil e os EUA, ao mesmo tempo em que reforçaria a segurança energética de ambos os países. Este gesto audacioso de amizade poderia lançar novas e produtivas negociações em matéria de comércio, bem como ampliar a cooperação em relação a outros temas.
Juntos, o Brasil e os EUA poderiam empreender uma ação internacional conjunta para globalizar a produção e utilização de etanol, inclusive mediante o compartilhamento de sua tecnologia com produtores potenciais de etanol em todo mundo, particularmente nos países em desenvolvimento. Temos objetivos em comum. Deveríamos começar a ter programas em comum para poder lográ-los.


Richard G. Lugar, 74, senador republicano pelo Estado de Indiana, é o presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado norte-americano; Roberto Abdenur, 64, diplomata, é embaixador do Brasil nos EUA.

Este artigo está sendo publicado simultaneamente na Folha e no "Miami Herald".


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