São Paulo, quarta-feira, 07 de maio de 2008

Próximo Texto | Índice

Confusão soberana

Fazenda volta a cogitar criação de fundo cambial, mas a fonte de dólares, com o saldo comercial no rumo do déficit, é incerta

ALGUMAS discussões sobre novas medidas de política econômica no governo federal são travadas de modo peculiar. Nos temas em que o chefe do Banco Central se choca com o titular da Fazenda, o ministro Guido Mantega, em dificuldade para convencer o presidente Lula, busca socorro na opinião pública.
Lança a idéia, o chamado balão de ensaio, e tenta fortalecer-se, com a repercussão, no embate interno. Flutua no ar, novamente, a "proposta" de criação de um fundo soberano pelo Brasil. As aspas se justificam porque, além da intenção de abrir um flanco para a Fazenda intervir no câmbio -tarefa hoje exclusiva do BC-, sobre tudo o mais pairam dúvidas ou faltam informações.
O ponto crucial é de onde virão os dólares para suprir o fundo. No caso de nações que sustentam superávits estruturais no comércio exterior -por conta de vantagens naturais em produtos primários ou por seu alto desenvolvimento industrial- há uma fonte duradoura de divisas. Nesses casos, acumular dólares e mantê-los fora do país, inclusive em fundos que aplicam em papéis mais arriscados, atende a diversos objetivos razoáveis.
O mecanismo evita que os dólares obtidos nas exportações inundem a economia local e valorizem a moeda doméstica ao ponto em que só a atividade exportadora dinâmica -por exemplo a extração do petróleo nos países árabes- sobreviva. Além disso, o retorno das aplicações desses fundo pode tornar-se importante fonte nacional de recursos no futuro, quando as jazidas que hoje rendem dólares em excesso estiverem exauridas.
A economia brasileira ainda não tem credenciais para entrar no clube de países detentores, por razões naturais ou industriais, de fundos soberanos. O déficit nas contas externas, apurado nas transações correntes com o restante do mundo, está se aprofundando. Nesse ritmo, é apenas questão de tempo, de pouco tempo, para o saldo comercial entrar no vermelho. A fonte clássica de dólares para constituir fundos soberanos, portanto, tende a secar.
O mercado financeiro global será, logo, o único fornecedor líquido de divisas ao Brasil. Comprar tais dólares mediante endividamento adicional do governo será chover no molhado -é isso que o Banco Central faz. Remetê-los para um fundo soberano, que vai financiar operações do BNDES no exterior, é temerário: esses dólares poderão ser necessários a qualquer momento aqui, no caso de uma fuga de capitais.
Utilizar dinheiro dos impostos na compra da moeda estrangeira seria absurdo. Há meios mais eficazes e menos arriscados de despender recursos fiscais em prol do equilíbrio macroeconômico.


Próximo Texto: Editoriais: Auditores sem controle

Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.