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Confusão soberana
Fazenda volta a cogitar criação de fundo cambial, mas a fonte de dólares, com o saldo comercial no rumo do déficit, é incerta
ALGUMAS discussões sobre novas medidas de
política econômica no
governo federal são
travadas de modo peculiar. Nos
temas em que o chefe do Banco
Central se choca com o titular da
Fazenda, o ministro Guido Mantega, em dificuldade para convencer o presidente Lula, busca
socorro na opinião pública.
Lança a idéia, o chamado balão
de ensaio, e tenta fortalecer-se,
com a repercussão, no embate
interno. Flutua no ar, novamente, a "proposta" de criação de um
fundo soberano pelo Brasil. As
aspas se justificam porque, além
da intenção de abrir um flanco
para a Fazenda intervir no câmbio -tarefa hoje exclusiva do
BC-, sobre tudo o mais pairam
dúvidas ou faltam informações.
O ponto crucial é de onde virão
os dólares para suprir o fundo.
No caso de nações que sustentam superávits estruturais no
comércio exterior -por conta de
vantagens naturais em produtos
primários ou por seu alto desenvolvimento industrial- há uma
fonte duradoura de divisas. Nesses casos, acumular dólares e
mantê-los fora do país, inclusive
em fundos que aplicam em papéis mais arriscados, atende a diversos objetivos razoáveis.
O mecanismo evita que os dólares obtidos nas exportações
inundem a economia local e valorizem a moeda doméstica ao
ponto em que só a atividade exportadora dinâmica -por exemplo a extração do petróleo nos
países árabes- sobreviva. Além
disso, o retorno das aplicações
desses fundo pode tornar-se importante fonte nacional de recursos no futuro, quando as jazidas que hoje rendem dólares em
excesso estiverem exauridas.
A economia brasileira ainda
não tem credenciais para entrar
no clube de países detentores,
por razões naturais ou industriais, de fundos soberanos. O déficit nas contas externas, apurado nas transações correntes com
o restante do mundo, está se
aprofundando. Nesse ritmo, é
apenas questão de tempo, de
pouco tempo, para o saldo comercial entrar no vermelho. A
fonte clássica de dólares para
constituir fundos soberanos,
portanto, tende a secar.
O mercado financeiro global
será, logo, o único fornecedor líquido de divisas ao Brasil. Comprar tais dólares mediante endividamento adicional do governo
será chover no molhado -é isso
que o Banco Central faz. Remetê-los para um fundo soberano,
que vai financiar operações do
BNDES no exterior, é temerário:
esses dólares poderão ser necessários a qualquer momento aqui,
no caso de uma fuga de capitais.
Utilizar dinheiro dos impostos
na compra da moeda estrangeira
seria absurdo. Há meios mais eficazes e menos arriscados de despender recursos fiscais em prol
do equilíbrio macroeconômico.
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