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RUY CASTRO
Fim do crime perfeito
RIO DE JANEIRO - Os leitores de
Sherlock Holmes sabem. O detetive
chegava à cena do crime, varejava o
chão com a lupa e recolhia amostras
de terra, de cinza de tabaco e de outros minúsculos corpos estranhos.
Às vezes farejava portais, postigos,
paredes. Depois checava as pegadas, contando os passos, como
quem pisasse em ovos.
Dali a alguns dias, descrevia o criminoso. O dito se chamava Reginald Wentworth-Brewster, tinha
2,20 m, servira na Índia e morava
em Crowborough, a 40 minutos de
Londres. Era estrábico, filatelista,
tinha oito libras no bolso e estrangulara a vítima com uma corda de
violino fabricada em Budapeste.
Como Sherlock descobrira tudo
isso? Simples. Era capaz de identificar a cinza de 84 marcas de fumo
para cachimbo e a cor e consistência da terra de todos os subúrbios de
Londres -o sujeito fumara uma cachimbada antes de cometer o crime
e trazia grãos de terra na sola da bota. A distância entre os passos indicava sua altura. Quanto ao estrabismo, a filatelia, o dinheiro no bolso e
a procedência da corda de violino, a
Scotland Yard saberia ao ler a história na revista "Strand", quando o
Dr. Watson a publicasse. Com Sherlock no pedaço, o crime perfeito
não existia.
A partir de 1930, o detetive culto,
farejador e assexuado, digo, inglês,
foi dado como fora de moda e substituído pelo durão americano, tipo
Sam Spade, Philip Marlowe ou
Shell Scott, que eram craques em
socos e frases, tinham um caso com
a vilã e não diferiam muito dos bandidos. Estes eram os detetives "modernos". E parecia que estávamos
conversados.
Mas acho que nos enganamos.
Pelas minúcias que a polícia paulista está levantando no caso Isabella,
é a volta do detetive farejador, à antiga -com todos os recursos da tecnologia. Agora, sim, é o fim do crime
perfeito.
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