São Paulo, quarta-feira, 07 de maio de 2008

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RUY CASTRO

Fim do crime perfeito

RIO DE JANEIRO - Os leitores de Sherlock Holmes sabem. O detetive chegava à cena do crime, varejava o chão com a lupa e recolhia amostras de terra, de cinza de tabaco e de outros minúsculos corpos estranhos. Às vezes farejava portais, postigos, paredes. Depois checava as pegadas, contando os passos, como quem pisasse em ovos.
Dali a alguns dias, descrevia o criminoso. O dito se chamava Reginald Wentworth-Brewster, tinha 2,20 m, servira na Índia e morava em Crowborough, a 40 minutos de Londres. Era estrábico, filatelista, tinha oito libras no bolso e estrangulara a vítima com uma corda de violino fabricada em Budapeste.
Como Sherlock descobrira tudo isso? Simples. Era capaz de identificar a cinza de 84 marcas de fumo para cachimbo e a cor e consistência da terra de todos os subúrbios de Londres -o sujeito fumara uma cachimbada antes de cometer o crime e trazia grãos de terra na sola da bota. A distância entre os passos indicava sua altura. Quanto ao estrabismo, a filatelia, o dinheiro no bolso e a procedência da corda de violino, a Scotland Yard saberia ao ler a história na revista "Strand", quando o Dr. Watson a publicasse. Com Sherlock no pedaço, o crime perfeito não existia.
A partir de 1930, o detetive culto, farejador e assexuado, digo, inglês, foi dado como fora de moda e substituído pelo durão americano, tipo Sam Spade, Philip Marlowe ou Shell Scott, que eram craques em socos e frases, tinham um caso com a vilã e não diferiam muito dos bandidos. Estes eram os detetives "modernos". E parecia que estávamos conversados.
Mas acho que nos enganamos. Pelas minúcias que a polícia paulista está levantando no caso Isabella, é a volta do detetive farejador, à antiga -com todos os recursos da tecnologia. Agora, sim, é o fim do crime perfeito.


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