São Paulo, sexta-feira, 07 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Sobre a tensão no mercado e como sair dela

ARMÍNIO FRAGA NETO


A não-antecipação da marcação dos fundos teria permitido saques dos mais espertos a um valor superior ao real


O mercado financeiro vive hoje momento de tensão que se espelha em aumento dos prêmios de risco dos ativos e queda em seus preços. Além disso, as quotas dos fundos de investimento perderam valor em 31 de maio. Para responder adequadamente a essa situação, é crucial um diagnóstico claro e realista do problema.
Alguns artigos, colunas e comentários recentes culpam uma suposta inundação do mercado por títulos públicos, a partir do início desse ano, quando passamos a atuar também no mercado de "swap" de câmbio. Indicam também a marcação a mercado dos ativos dos fundos como causa da crise. Temos sido criticados, algo normal em momentos como este. Estamos, como sempre, abertos a críticas construtivas. Cabe, no entanto, retificar algumas questões para que se entenda o que ocorre hoje de maneira desapaixonada:
1. Em 2002, o Tesouro Nacional e o Banco Central resgataram liquidamente 23 bilhões de LFTs (Letras Financeiras do Tesouro). Não é verdade, portanto, que o mercado foi inundado com LFTs a partir do uso de "swaps", muito pelo contrário;
2. Não aumentamos ou criamos passivo cambial novo, mas sim modificamos sua forma com os "swaps". O risco cambial do governo não foi alterado pela introdução dos "swaps";
3. Alongamos, sim, a dívida pública ao longo dos últimos três anos, o que nos parecia e ainda nos parece uma boa política. Isso foi feito gradual e naturalmente, a partir de um trabalho de reforço dos fundamentos econômicos que deu tranquilidade aos aplicadores;
4. Esse processo de alongamento poderá ser retomado futuramente, se as conquistas dos últimos anos forem preservadas ou, melhor ainda, aprofundadas. Refiro-me, entre outras, à responsabilidade fiscal, ao câmbio flutuante com inflação baixa, ao respeito a contratos e à solidez do sistema financeiro, pré-condições para a retomada do crescimento sustentável;
5. O deságio dos títulos, em especial das LFTs, começou antes da marcação a mercado das carteiras dos fundos e foi motivado, a meu ver, por preocupações quanto ao futuro do país. Basta ver que os deságios dão um salto para os títulos que vencem a partir de janeiro de 2003 e crescem com o prazo do título a partir dessa data. A queda no valor das quotas dos fundos reflete exatamente esses deságios;
6. Depois ocorreu o que tipicamente ocorre nos mercados, que são mecanismos de propagação e amplificação de tendências. Mas quem conhece os mercados sabe que, sem o realismo e a transparência da marcação, não se sai desses círculos viciosos;
7. A não-antecipação da marcação das carteiras dos fundos teria permitido saques dos mais espertos a um valor superior ao real, com perdas ainda maiores -e pior, permanentes- para os pequenos, o que não seria justo. É importante ressaltar que, na medida em que o problema é temporário, a rentabilidade futura dos fundos será recuperada.
Na verdade, o fator determinante nesse episódio foi simplesmente o fato de os detentores de títulos longos não mais se sentirem confortáveis com esses títulos ao preço de antes.
A saída da crise dependerá tanto de respostas maduras e ponderadas deste governo, até o final do ano, quanto de sinalizações igualmente maduras e ponderadas daqueles que hoje se candidatam a assumir a responsabilidade pelo futuro do nosso país. Repito aqui o que tenho dito sempre: tenho confiança em nossa capacidade de superar essa fase difícil.


Armínio Fraga Neto, 44, doutor em economia pela Universidade de Princeton (EUA), é presidente do Banco Central do Brasil.



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