São Paulo, sexta-feira, 07 de junho de 2002

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Judeofobia e anti-sionismo

JACOB PINHEIRO GOLDBERG

O anti-sionismo é a fórmula semântica moderna do anti-semitismo. O judeu para o anti-semita é o "outro insuportável".
Farrel, em "Studs Lonigan", mostra um jovem judeu que se junta a um bando católico cujo hobby é agredir judeus.
Tal atitude é o ponto máximo resultante de um mecanismo comum no anti-semita judeu, a incorporação. Ele tenta imputar a si características que julga dignas de imitação, inerentes a outras pessoas. Ainda que o consiga de forma insatisfatória, ele crê que realmente incorporou tais atributos.
Temos muitos exemplos de pessoas que buscam desesperadamente, através desse mecanismo, um brilho, e o têm conseguido graças à assunção de idéias de grupos anti-semitas, que lutam contra Israel e, em geral, são a favor de certos partidos políticos. Ou seja, muitos judeus se transformam em acirrados anti-semitas, pois desejam incorporar atributos que invejam nos cristãos.
Os não-judeus anti-semitas representam um campo fértil para os indivíduos dispostos a captar, com objetos ilícitos, a excitação e as paixões populares. Estes fazem uma distinção grosseira da humanidade entre judeus e anti-semitas -e uma de suas metas é dar a falsa impressão de que, nos grupos anti-semitas, não existem diferenças, o que dá a esses grupos a sensação de poder.
Sinto o anti-semitismo como um acontecimento que ocorre no campo sociológico e no psicológico.
No campo psicológico, temos as inclinações, que são acompanhadas de um estado afetivo de conotação penosa ou agradável, e o surgimento, em função dessas inclinações, dos mecanismos de defesa. A incorporação acima citada é um desses mecanismos de defesa.
É evidente a ligação entre os preconceitos do indivíduo e muitas feições psicológicas profundas. Um dos fatores responsáveis está no eco produzido pelos incitamentos do mundo exterior que vão de encontro às inclinações de cada ser. Outro fator é a presença desses elementos, aproveitadores que, com suas manipulações, modificam uma simples inclinação, primeiro em uma certeza e, depois, em um ato. Seria, no caso europeu, a síndrome da culpa pelo genocídio nazista.
Para que pudéssemos, então, neutralizar esses elementos, seria necessário que se tornasse do conhecimento público todo e qualquer artifício por eles usado. E para extirpar os preconceitos, seria preciso instruir novamente toda a comunidade. Esta nova instrução deveria ser projetada com base nas ciências humanas, trabalhando em conjunto.
Não podemos minimizar a importância da estimulação anti-semita, a qual colabora sobremaneira no ajustamento social de muitas pessoas. Em psicologia, fica claro que o indivíduo preconceituoso (no caso, contra judeus) dá vazão à sua falta de razão e é sempre agressivo.
O preconceituoso anti-semita só poderá ser encarado, psicologicamente, de acordo com os padrões, se puder entender, após receber adequada instrução, que armazena e usa esses preconceitos para suprir deficiências racionais.


Muitos judeus se transformam em acirrados anti-semitas, pois desejam incorporar atributos que invejam nos cristãos


Atrás do quadro de anti-semitismo, podemos distinguir uma série de conflitos gerados por infelicidade, fobias, perversidade sexual, alcoolismo, incapacidade de elaborar pensamentos claros, insegurança etc.
Uma jovem judia (paciente de um psiquiatra norte-americano) anti-semita, na ânsia de passar por católica, operou o nariz e usava uma cruz no pescoço. Ela dizia que "todos os judeus são sujos e desprezíveis". Sempre que se falava das atrocidades cometidas pelos nazistas, punha-se a tremer, presa de incontido temor. Não mostrava, porém, compaixão pelas vítimas dos nazistas, e sim profunda convicção irracional de que, cedo ou tarde, cairia sobre ela mesma toda espécie de danos e perseguições.
Os indivíduos que sofrem desse tipo de medo são personalistas e desumanos. Não têm compaixão do sofrimento alheio, só medo de que o mesmo lhes possa acontecer. A solidariedade oportunista com os palestinos no conflito do Oriente Médio mascara sua paranóia.
Tais elementos (judeus com complexos) buscam desesperadamente reconhecer aquilo ou aquele que lhes é contrário, pois temem os riscos ignorados. Quando anti-semitas, o são de forma ferrenha, embora esse falso reconhecimento da adversidade não os livre da angústia. Uma das formas de defesa dessas pessoas é atribuir a fatores externos -nunca internos- os motivos de seus conflitos. Ressaltamos, porém, que a ligação entre anti-semitismo e doença mental acontece quando tanto essa dificuldade de identificação quanto a não-aceitação de um comportamento inerte são reflexos de igual luta interna.
Embora fugindo totalmente da lógica e do bom senso, as organizações anti-semitas buscam sempre detalhar minuciosamente a personalidade judaica. Muitos anti-semitas se impõem limites e alienação (ou melhor, aliviam suas consciências) emitindo conceitos artificiais sobre os judeus, os quais costumam aparecer sob alegações do tipo: "Tenho ótimos companheiros judeus".
Agora, o anti-semita judeu costuma fazer comentários como: "Bem que nossos patrícios podiam se comportar como todo mundo; que vergonha e nojo desses ortodoxos, com suas roupas ridículas...". Na realidade, esses judeus anti-semitas tentam se resignar com o anti-semitismo, sem prestarem atenção ao que falam.
Além das características aqui descritas, nota-se que os anti-semitas não se preocupam em respeitar os mínimos bons costumes.
Casos há em que o anti-semita sofreu rejeição, a qual foi fruto da tentativa, por parte de seus pais, de alcançarem, através do filho, uma reparação de seus malogros, e o fizeram de forma egoísta e envaidecida. Esse comportamento contribui para a perda, por parte da criança, da segurança e do amor por si mesma.
O anti-semitismo é transmitido ao mesmo tempo que noções básicas em certas famílias. Os clichês deturpadores do judeu passam de pais para filhos e as crianças recebem tais influências numa época de suas vidas em que ainda não têm condições de questionar nada.
Finalizando, lembremos Engels: "O anti-semitismo é o socialismo dos imbecis".


Jacob Pinheiro Goldberg, 68, advogado e assistente social, é doutor em psicologia pela Universidade Mackenzie e autor de "Monólogo a Dois" e "Psicologia da Agressividade".



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