São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2006

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CARLOS HEITOR CONY

Chuteiras e bandeiras

RIO DE JANEIRO - Ruas e praças de todo o Brasil estão vestidas de verde e amarelo. Faixas, símbolos e bandeiras nacionais dão a impressão de uma festa cívica comemorada pelo povo, com entusiasmo; mais do que entusiasmo, com devoção. A pátria ganha contorno de sacrário.
Antigamente, o povo se enfeitava e enfeitava ruas e casas para o Carnaval. Hoje são as prefeituras que fazem a decoração de cima para baixo, colocam alguns pandeiros combalidos nos postes das ruas principais e acreditam que estão incrementando a outrora grande festa popular.
A Copa não precisa de governos federal, estadual ou municipal. Ela mexe com a persona, a própria alma nacional. Já foi dito que a seleção é a pátria de chuteiras. Não é bem isso. As chuteiras quase não importam. Importa o "Brasil", é ele quem ganha ou perde -o resto é silêncio.
Passo pelas ruas em festa e vejo que são raras as fotos dos jogadores, mesmo daqueles que são mais queridos e badalados.
Cada um tem os seus ídolos quando se trata propriamente de futebol, mas, durante uma Copa, valor mais alto se levanta.
Não é Ronaldinho Gaúcho, nem o outro Ronaldo, nem Kaká nem Cafu nem Parreira que contam e cantarão vitória -se ela vier mesmo.
O que contará, para o bem ou para o mal, é a pátria, a família amplificada segundo Ruy Barbosa, sendo a família o indivíduo simplificado.
Lembro a Copa de 70, num dos piores momentos do regime militar que sofríamos. Houve até uma campanha para que o povo torcesse contra o Brasil, para não encher o gás da ditadura.
Não adiantou. As mesmas bandeiras, as mesmas faixas verde-amarelas que o governo espalhava pelo país o ano todo, para incrementar o civismo dos tempos totalitários, enrolaram o povo na grande festa do tricampeonato.


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