São Paulo, quarta-feira, 07 de junho de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Investimentos externos na América Latina

ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA

DIFERENTES ARTIGOS veiculados recentemente na imprensa internacional alertam para eventuais repercussões negativas sobre o fluxo de investimentos para nossa região, devido a interferências estatais orientadas por políticas neopopulistas de alguns países. A se confirmarem essas previsões, elas afetarão o Brasil? Em diferentes ocasiões, aqui e no exterior, seja em seminários, debates e artigos, tenho afirmado que é uma simplificação colocar todos os países de nossa região no mesmo saco. Mesmo olhando os dois maiores países da América Latina, México e Brasil, que disputam em termos de PIB a liderança da região (ao final de cada período o dólar exerce uma grande influência por razões óbvias), temos mais diferenças do que semelhanças.


No caso do investimento direto, o fundamental é a perspectiva de crescimento econômico e a identificação de oportunidades rentáveis


São culturas diferentes, histórias de desenvolvimento diversas, hábitos e costumes distintos. Talvez uma maior aproximação seja a paixão pelo futebol. Entendemos, bem ou mal, o que eles falam e a recíproca, quase sempre, não é verdadeira. Sua economia tem uma forte dependência comercial dos Estados Unidos, que absorvem mais de 80% de suas exportações, enquanto o Brasil tem uma pauta bem diversificada. Na área tributária, o México tem carga fiscal equivalente a cerca de um terço da brasileira, e o petróleo é uma importante fonte de renda. Essa realidade não difere muito da situação com a Argentina, mesmo considerando-se a proximidade geográfica e o combalido Mercosul. Com a reeleição de Álvaro Uribe na Colômbia, que tem nos Estados Unidos um grande aliado, caminhamos para uma bipolarização na região andina. Na contramão, está a coligação bolivariana, liderada pelo presidente Hugo Chávez, agora com o integral apoio do presidente Evo Morales e de Fidel Castro de Cuba. Uma política nacionalista e antiamericana caracteriza basicamente essa aliança. Com a eleição de Alan Garcia no Peru, que certamente não apoiará Chávez, a coligação fica enfraquecida. Restam as eleições presidenciais no Equador e no México. Nesse contexto de bipolaridade, Chile e Uruguai representam uma esquerda diferenciada e com políticas de mercado realistas. A Argentina de Néstor Kirchner é enigmática, mas certamente não se alinha com Chávez, muito embora tenha desfrutado de algumas benesses financeiras do governo venezuelano. Portanto, falar de América Latina como algo integrado nada tem a ver com a nossa realidade. Malgrado alguns problemas institucionais, creio que temos conseguido nos diferenciar claramente dos outros países. Para muitos, chega até a surpreender que o presidente Lula seja visto como uma liderança moderada na região. Apesar de alguns tropeços na política externa e os atritos recentes com a Bolívia, a gestão macroeconômica do país tem sido um fator diferencial. Com a proximidade das eleições, não se imagina que haja espaço para alterações no curso das políticas praticadas. Mesmo admitindo-se a reeleição do presidente Lula, que as pesquisas de hoje apontam, é difícil imaginar que ele faça alterações radicais na gestão macroeconômica. Portanto, o fluxo de investimentos, diretos ou para as Bolsas de Valores, será comandado principalmente por outras variáveis, internas e externas. No caso do investimento direto, não desprezando o peso do aspecto político, creio que o fundamental seja a perspectiva de crescimento da economia e a identificação de oportunidades rentáveis em uma estrutura regulatória conhecida e amistosa. O investidor estrangeiro valoriza em primeiro lugar a previsibilidade. No que toca os investimentos em Bolsa ou via novas emissões (os estrangeiros têm sido importantes compradores das emissões, adquirindo mais de 65% das ofertas), os juros internacionais e o comportamento dos mercados de ações alhures são variáveis determinantes. Obviamente, o componente taxa de juros interna e a inflação são fatores-chave. Aí estamos mais uma vez rotulados como país emergente e sujeitos, portanto, às mudanças de humor dos investidores, que, como temos presenciado, têm apresentado um comportamento ciclotímico. Concluindo, temos que continuar trabalhando, completando projetos inacabados, priorizando reformas incompletas. Não vejo razão para ficarmos exageradamente preocupados se soubermos administrar a situação. Estamos mais bem aparelhados que em outras épocas para enfrentar eventuais crises e as volatilidades externas, que certamente vão nos acompanhar por algum tempo.
ROBERTO TEIXEIRA DA COSTA , 71, economista, é fundador do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais) e membro do conselho do Inter-American Dialogue, de Washington. Foi Presidente Internacional do Ceal (Conselho de Empresários da América Latina).


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