São Paulo, Segunda-feira, 07 de Junho de 1999
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A legitimação do Ministério Público


O acompanhamento da apuração dos atos de improbidade pelo Ministério Público não é faculdade, mas dever


ANA LÚCIA AMARAL
e MARIA LUISA DUARTE


Atos de improbidade, noticiados todos os dias, merecem o repúdio geral da sociedade, mais que justificado. A improbidade ofende a República, entendida como uma coletividade de coisas a que todos têm igual direito e que inclui entre os seus objetivos a erradicação da pobreza (inciso I do artigo 3º da Constituição), permitindo a todos o exercício da cidadania.
Os agentes públicos, na gestão do patrimônio público, que é de todos, têm de se pautar pela probidade. E os particulares que vierem a negociar com a administração pública também (art. 37 da Carta), sob pena de responderem administrativa e judicialmente, na área penal e na cível (nesta, via ação civil pública, tendo, entre várias finalidades, o ressarcimento ao erário público).
Para a proteção da coisa pública, o constituinte de 1988 estabeleceu vários tipos de sanções, como suspensão de direitos políticos, perda da função pública e indisponibilidade de bens (parágrafo 4º do art. 37 da Carta). E, para a efetivação dessa norma, incluiu entre as funções institucionais do Ministério Público "a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público" (inciso III do art. 129 da Constituição).
Realizando a norma constitucional, foi editada a lei nº 8.429/92 (da probidade administrativa), que descreve os atos de improbidade, estabelecendo sanções e regras de natureza processual. Diz a lei, no artigo 17, que "a ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada".
O Ministério Público, legitimado para a propositura da ação civil pública no combate à improbidade administrativa, utiliza-se, para sua instrução, do inquérito civil público (Constituição, art. 129, III), entre outros recursos.
Graças a esses instrumentos, foram apuradas as irregularidades ocorridas na construção do Fórum Trabalhista de São Paulo e foi proposta ação para a recomposição dos prejuízos causados, bem como a punição dos responsáveis, já em 1997 e 1998 -muito antes, portanto, do início dos trabalhos da CPI do Judiciário. O Ministério Público Federal já conseguiu o bloqueio de bens dos réus e a determinação judicial que impediu a liberação de vultosos recursos públicos para a empresa Incal.
O "parquet" só não conseguiu resultado totalmente positivo em relação à liberação de uma parcela das verbas referidas porque a recomendação expedida pela Procuradoria da República em São Paulo ao secretário do Tesouro, determinando que não liberasse para o TRT os recursos previstos no Orçamento de 1998 até que se concluísse o inquérito civil público então em andamento, foi desautorizada (pasmem!) pela coordenadora da Câmara do Patrimônio Público e Social do Ministério Público Federal, dra. Delza Curvello Rocha -orientada, ao que parece, pela equivocada visão que expôs nesta seção (Opinião, pág. 1-3, 24/5). Com essa desastrosa intervenção, agravou-se o dano ao patrimônio público. A argumentação desenvolvida pela ilustre colega nada mais é que a tese de defesa dos defraudadores do erário público.
Essa tese apóia-se em fundamentos que não se sustentam, alguns acima rebatidos. Ressalte-se que o acompanhamento da apuração dos atos de improbidade pelo Ministério Público não é faculdade, mas dever; não se pode dispor da defesa do patrimônio público. Assim, é plenamente compatível sua defesa via ação civil pública, precedida de inquérito civil público, ambos revestidos de indisponibilidade.
O caso do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, sob a administração do juiz Nicolau dos Santos Neto, é exemplar para demonstrar o que poderia ocorrer se o Ministério Público Federal se limitasse a requisitar a instauração de procedimento administrativo à autoridade administrativa (como defende a dra. Delza). Seria o próprio presidente do TRT-SP a apurar as responsabilidades pelos desvios de recursos públicos -isto é, deixaríamos o galinheiro aos cuidados da raposa. A experiência ora considerada espelha o acerto da opção do constituinte e do legislador infraconstitucional.
Os abusos contra a coisa pública, de tão reiterados, já estavam sendo admitidos como corretos até por quem teria a tarefa de combatê-los... Enfim, está claro que a sanção pode chegar mesmo aos altos escalões governamentais.


Ana Lúcia Amaral, 47, e Maria Luisa Duarte, 42, são procuradoras regionais da República do Ministério Público Federal em São Paulo.



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